quarta-feira, 5 de abril de 2017

Pela janela


A inundação de luz sempre me chama atenção. Até mesmo o banhar da escuridão me atrai. É como se houvesse sempre um deságue de cores ou sua falta. As janelas permanecem abertas, com chuva ou sol, os ventos do leste sopram ao desidério. Observando os cidadãos do mundo e suas interações, sinto como se pudesse me ver da próxima esquina, aceno como resposta do campo de visão. Remexem as folhas da árvore vizinha, no quintal de trás. Farfalham a cada sopro de Abril. Flores se suplicam ao amanhecer e depois perecem, decaem na resiliência pragmática, ninguém sabe que elas afloram às 4:32 da manhã, sempre antes dos primeiros raios do sol. O tempo de vida é rápido, pois os pássaros e insetos já sabem que a melhor seiva, o melhor néctar é sempre ao florescer, quase que imediatamente após. Até então, nada de ninguém à vista, todos em suas capsulas maternas, oikos em colmeia. As sombras postam formas durante todo o dia, um convite para quem gosta de capturas. Gosto de vê-las rodopiar pelo recinto, como se buscassem algo belo ou vulgar. Encontrando copos, corpos e sonhos. Pela janela talvez você não entenda as cores da luz que sublima todos os dias, nem ouça os ventos que nos sussurram auspícios, nem toque o vitral que transcende o novo dia. Alguém chama meu nome, logo tudo se desfaz, tudo cinza novamente. Afinal de contas, abrir a janela é apenas um ato calculado de ventilação e iluminação, não há nada de poético ou romântico. Ninguém se importa com a vista que tem daqui, com a árvore que dança lá fora, não há nada demais. As palavras pousam em contento e logo desdenham-nas. E assim, segue a marcha das nuvens, com mais pensamentos de coisas só minhas, oprimidas pelo maciço e denso desprazer de existir. "É apenas outro dia", disse ele, "Pare de sonhar, vamos logo." Respirei fundo e fechei as janelas. Deixei trancafiado todo o universo lá fora, esperando por mais um amanhecer. 


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