quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Fantasia

Arte de @raytongart


Voltei a ver alguns animes. E, desde que voltei, percebo o quanto o machismo e erotização é exagerada e comum. Todos os animes até agora tem dois tipos de mulher: 1) a peituda, vaginuda e bunduda e a 2) baixinha infantilizada, sem peitos. E não é algo novo, é um estilo. Lembro disso em Shurato, Cavaleiros do Zodíaco, Bucky, InuYasha, Evangelion e tantos outros. Hoje, vejo Naruto, Bleach e alguns outros bem populares e a técnica continua.
Todo anime tem um velho que é tarado, geralmente leva porrada pela mulher assediada, mas em nenhum momento ela denuncia ou ele para. É algo natural a mulher sempre bater no velho tarado, como se todos os homens velhos ficassem tarado e tudo bem. As cenas que acontecem os assédios focam os peitos ou bunda, entre muitas pessoas ou não, e a música muda para um tom mais cômico. O assédio é o núcleo cômico. 
Anime é algo delicado para acompanhar. Ou você tem esses temas bem conceituados e fixados como algo bom ou ruins, ou essa internalização vai acontecendo e tudo se torna normal. Assédio não é normal, merece denúncia e não a normalização. Do mesmo modo acontece com as objetificação do corpo da mulher. Difícil achar animes populares que não parecem uma pornô. Homens musculosos, mulheres super gostosas, meninas com voz de submissão e micro trajes do cotidiano.
Interessante que eu percebi isso tantos anos atrás. Cheguei a me afastar do anime pela repetição da fórmula. Sempre é o protagonista que faz tudo, sempre em busca de poder e mais poder, nunca é em grupo ou equipe, sequer buscando um plano, estratégia ou inteligência. Parece mais um MMORP que você tem que matar monstro para ser mais forte. Sempre mais forte, grita, luta, fica forte, luta, grita, mais e mais forte. 
Até aparece um ou outro personagem enigmático ou carismático que foge do padrão protagonista, mas logo se percebe que vai ser aquele que vai chorar pelo protagonista. Em Bleach, temos a Rukya, sempre que aparece ela soa como personagem forte, não sexualizado, mas daí... sempre vem o Bleach para salvá-la. Uma personagem que busca aprovação do irmão por ele ser patriarca da família, uma personagem com um poder incrível que só aparece quando já não precisa dele, e quando parece que ela vai dar conta, vem um homem e a salva. Todo o anime é isso: mulher vítima, homem poderoso a salva. Gritos, aumento de poder, peitos e bundas, música cômica, mais lutas e poder...
Deve ser legal não perceber essas coisas e ser fã de verdade, mas quando você entende que muitos traços dessa cultura só perpetua o machismo, pedofilia, assédio e tantas problemáticas estruturais... tudo isso deixa a coisa não atrativa.
É como assistir um filme da Barbie com temas adultos. Você entende o motivo por ser adulto, mas quem assiste são crianças. Como esperar que um geração se estabeleça com um pensamento diferente se tudo ao redor só afirma a velha e boa cultura machista patriarcal?
 

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

O Escritório

Arte de Selin Tahtakılıç

Morar no sul vindo de outra região é explorar um perfil histórico psicológico muito interessante. Depois de ter contato com a série de televisão The Office, tive a certeza que a personificação do homem Michael Scott e da mulher Ângela Martin.
De um lado temos o homem branco com personalidade infantil, cheio de racimo e outros preconceitos de maneira bem sutil. Ele não odeia negro, mas quando fala em gueto ou gíria, pergunta ao único negro que conhece. Essa sutileza é a demonstração de como a estrutura social molda a nossa visão. Michael Scott não percebe os assédios que faz, do racismo e homofobia que pratica, a misoginia é quase seu mantra. E como ele se criou em um universo que as pessoas não retaliavam quando extremo, não o reprimiriam quando errado e conversavam explicando o certo, virou um homem de mais de quarenta anos altamente insuportável. Líder de um grupo de pessoas que o aturam pelo capital. Em seu lado, figura a versão feminina, uma mulher branca e loura, carregada de religiosidade e altamente crítica de tudo, nada é bom o suficiente para ela, tudo é motivo dela demonstrar sua feição de negação. O seu comportamento é de supremacista, ela se põe como superior aos outros, uma porque é serva de Deus e expõe isso sempre que pode, outra é pelos seus hábitos que ela põe como melhores, tipo seu veganismo. E esses dois personagens na série são exatamente o tipo de pessoa que você encontra aqui embaixo, aos montes. São pessoas criadas com base no cristianismo hipócrita, com amor ao próximo se ele pode te dar algo em troca, de muitos diálogos desconfortáveis por ligações ao racismo, misoginia e outros preconceitos. 

Como lidar com esse padrão de comportamento aqui? Você tem duas opções: 1)Ou você é extremista e não fica calado, demonstrando sempre o quanto elas estão sendo irracionais, perversas, preconceituosas. E obviamente você não será bem quisto no ambiente, já que os outros compactuam com o pensamento deste; 2)Ou você pode ligar o foda-se e seguir sua vida usando da shade. Pequenos apontamentos subliminares criticando o comportamento destas pessoas. Se for uma piada racista, você além de demonstrar descontente ainda diz "então a graça é que ele é negro? Entendi", e ao demonstrar a problemática você não vai ser mau quisto, mas uma pessoa boba que não entende o ponto engraçado. Só que isso vai acumulando e aos poucos elas perceberão que estão sendo perversas todos os dias, e esse normal delas afasta você. Tudo bem que essas duas opções são baseadas no meu ano de contrato no ultimo trabalho. Uma empresa de 300 pessoas onde 90% era branca autoproclamada alemã. Onde o que importa é o sangue alemão, onde todos os problemas da cidade ou vieram dos índios vagabundos, dos paraguaios contrabandistas, ou dos negros bandidos que vieram de fora. E sempre que eu ouvia essas coisas eu usava a opção 2 e ficava uma climão.

Estou falando essas coisas porque estou percebendo um padrão na internet, com colegas e pessoas amigas da região, que me remete ao Michael ou a Ângela e eu fico pensando se não é hora de estabelecer uma opção 3) Ignorar. Ignorar os fatos, fotos e dados porque não vai fazer diferença alguma na minha vida, por mais estressante que seja em ver as postagens, é respirar fundo e pensar no meme "branco fazendo branquice". Lembrar de toda história nazista na região, como a região foi explorada e evoluída, e como a tecnologia amplia os prazeres da cretinice, é pensar sempre na proposta 3 quando vias de internet, e quando mais velho e mais financeiramente independente, trazer isso pra vida. 

Não tem problema você evitar pessoas que são Michael ou Ângela, sua saúde mental e física vai melhorar, seus pensamentos não serão bombardeados por cultura dos anos vinte e com certeza você será uma pessoa evitada por se achar superior. 
E você é superior? Claro que sim. Uma vez que seus pensamentos são positivos, seu diálogo é inclusivo e evita ao máximo as raízes da opressão patriarcal caucasiana, você vai ser uma pessoa de mentalidade elevada. E isso é ótimo, um pouco solitário se você está num antro de Michaels e Angelas, mas nada melhor do que ser um bom ser humano. 

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...