quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Oi ex, como vai?




Há tempos não nos falamos.


Oi ex,
hoje não venho com palavras de ódio, nem te culpar por nenhum episódio, tampouco me colocar em cima de um pódio.
Sim, houve um tempo. Tempo em que desejei cascas de banana na sua calçada, um bicho gordo na sua goiaba, 28 pedágios na sua estrada.
Também não vim te acusar, nem te mandar se lascar, muito menos te pedir pra voltar.
A mágoa foi inevitável, mas se história é imutável, talvez tenhamos que pensar num caminho alternativo viável.
Vim perguntar se você está bem, se continua tendo sonhos do além, se contou dos seus medos para mais alguém.
Se seu pai largou o cigarro, se você conseguiu trocar de carro, se houve algo entre a gente que não tenha ficado claro.
Vim dizer que lembrei de você. Porque finalmente comi cordeiro, porque ri conversando com meu porteiro, porque nosso verão foram anos inteiros.
Vim com bandeira branca, sem qualquer indício de cobrança, apenas me divertindo com algumas lembranças.
Vim te contar que encontrei aquela nossa conhecida, a que foi morar em Aparecida, e que ela tá com a bunda super caída.
Vim contar que vi seu colega de trabalho, que ele tá meio grisalho, mas que ainda dá pra quebrar algum galho.
Vim falar de coisas que ninguém mais entenderia, que achei as fotos daquela viagem para a Bahia e que finalmente tem açaí aqui na minha padaria.
Não vim criticar sua nova paquera, nem retomar aquele clima de guerra, nem dizer qualquer coisa que não seja sincera.
Vim te dizer que está tudo ok, que eu tive uma doença, mas sarei,  e que aquele meu vizinho, de fato, é gay.
Não vim te propor uma bela amizade, um sorvete no fim da tarde e nem um fim de história marcado por vaidade.
Vim pra te desejar alguma sorte, vim porque já voltei a ser forte e porque sei que memória não respeita pena de morte.
Vim te deixar um abraço, porque te querer bem é o melhor que eu faço e porque, afinal, já chega desse cansaço.
Vim te dizer para ficar em paz, para respeitarmos o que deixamos para trás e para propor, enfim, que a gente não se queira mal, apenas não se queira mais.

Por: Ruth Manus

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Só sei dançar com você.



 Penso em te escrever algo, só que não vem nada de útil. Tento descrever como são meus dias percorridos pelo teu sorriso, divago só em lembrar. Ao começar a escrever me lembro do movimento que desgrenham teus cabelos. Ouço uma música para tentar seguir o clima simples, descubro o quanto não ouvi o suficiente para poder começar. Então desisto de tentar e deixo para depois.
 Dessa vez não me sinto culpado por deixar algo de lado, na verdade eu apenas sei que não é hora. Me fogem palavras e capturá-las parece trabalho para profissionais, melhor esperar a tempestade passar. 
 Vejo você vir caminhando, devagar, como se aproveitasse do sabor da chuva para finalmente conseguir sorrir. Um sorriso automático, quase que sem querer. Você fica vermelho tentando esconder a felicidade, e isso deixa tudo mais engraçado, algo natural. 
  O céu começa a colorir-se novamente, um fim de tarde em campo aberto. Você aguarda a sua vez, repõe a água na garrafa, arruma novamente a mochila, e suspira. Sinal que está pronto para seguir em frente.
 Desprendo e em silêncio subo mais um degrau mental. Você me segue. Parece que você sempre sabe o que fazer. Logo estamos no alto, sentamos então para assistir mais um dia e conversar sobre a vida, o universo e tudo mais. Meus sentidos se atordoam, há tanta coisa em volta, tantas citações proferidas sem precisar de explicações, tantas cores vibrando em paletas multifacetadas, tanta coisa: há carinho, há natureza, há possibilidades... 

 Nós dois. 
 Cúmplices.

 Sou alvo pros teus olhos claros parecidos com essa estação, tua temperança me envolve e tua calmaria me conforta. Um sinal de que tudo pode ser normal. As caraminholas na cabeça se perguntam quem é esse ser estranho que visita o planeta Zero, que pausa a própria sorte em prol do esquisito mundo de possibilidades.
 Parece que não ouço você falar, mas eu ouço. Embora meu olhar seja distante, minha mente está bem aqui contigo. Me pergunto o que será do futuro, sabe? Gosto de assistir o dia começar e terminar, como se fosse algo novo, mesmo que todos os dias se repitam. Tenho medo apenas que as coisas não mudem, que tudo seja um cíclico momento. 
 Sentado no alto fico sempre a perguntar.
 O que será do futuro?
  



domingo, 12 de outubro de 2014

Maybe.


 O consolo da tua fé pode ser o bastante, apenas pode. 
 Não considero tão frustrante o hábito de não ter relações destemidas. Ao contrário, muito pelo contrário. Considero intrínseco e honesto não ter que abusar da própria fé só para tentar tudo novo, de novo.
 Sei que você deve ser do tipo de pessoa que acredita que as pessoas não nasceram para serem sozinhas. Você deve ter razão, sua própria razão. Não corroboro desse pensamento e te direi bons motivos. 
 A) As pessoas são egoístas; B) As pessoas são egoístas; C) As pessoas são puta egoístas. 
 E daí você já julga uma revolta, de fato há revolta. De todo modo, só em você não respeitar minhas ideias de logo já és um egoísta. Esqueça essas coisas de "primeiro eu", olho pra frente e para os lados, só quando estou sozinho é que olho pro meu umbigo. Assim todos deveriam fazer.
 Vai ver poderia ser que parassem de ficar defendendo candidatos ao governo como se fossem o pai ou mãe, como se defendesse o time de futebol que ele nem é lá tão fã. As pessoas egoístas só querem algo para reclamar, na maioria eles nem sabem do que falam, nem têm seus argumentos fundamentos per si. São ABC vulgares. Controlados pelos comentários alheios, pelo o que a pseudo sociedade julga melhor. Pseudo, pois a verdadeira sociedade está ocupada demais se preocupando com o próximo, ao auxílio ao menor, ao miserável, ao moribundo, ao faminto...
 O consolo das tuas escolhas pode ser o bastante, apenas pode.
 Talvez você seja do tipo de pessoa que crê que todo mundo deve ser feliz e essas coisas idiotas. Mas, quando você cair na real e perceber que as pessoas são egoístas de fato, e ainda assim você queira deixar o teu ego egoísta de lado, você começará a preferir a si.
 Será a melhor companhia do mundo, a mais divertida, a mais sincera. Será alguém que prefere ficar sozinho, ser sozinho. Vai preferir a realidade do que o desespero de provar à sociedade, a pseudo, que você é melhor.
 Um dia quem sabe.
 Agora me deixa, quero aproveitar mais um cigarro e ouvir o som dos ventos enquanto não começa o outro confronto de futilidades. Se quiser pode ficar, mas fique calado, pois o barulho medíocre faz o monocromático e obtuso pensamento entoar, e estes eu deixo aos porcos. 

Blackout



 Ser calouro não é fácil.
 É uma verdade quase que absoluta. 
 E ser calouro em uma festa no campus é tipo um ritual, uma iniciação tímida com uma coragem desastrosa. Não tem as primeiras aulas e para alegrar os olhos da menina, levamos então a comitiva caloura para o primeiro evento oficial da região. Bem, não foi o esperado. Achávamos que seria como nos filmes, mas estava tudo desorganizado, o convite fixado no mural adormecido dizia 18 horas, eram quase 20 e ainda montavam o som. Aos poucos as pessoas começaram a chegar, a música a tocar e tudo ficava mais escuro.
Blackout era o nome da festa, no bloco das ciências humanas, o famoso bloco hippie da universidade. E como tinha brincado no meio do caminho, repeti para os colegas a mesma "Festa estranha com gente esquisita, eu não tô legal", eu estava legal, só fiquei receoso. Por favor não me julgue por ser calouro, ainda não tive muitas experiencias e desse tipo então, melhor nem comentar.
 Estávamos em cinco, um número até bom para uma roda de amigos, e mesmo sendo um grupo de pessoas desconhecidas, não tão afins, estávamos a compartilhar o melhor do novo, somos novos, noviços, calouros. 
 O que melhor do que um grupo de calouros, jovens até dizer basta, numa festa onde todos já se conhecem, já sabem como ir e voltar, comer e beber, onde comprar e vender, o que toca e quem toca; O que é melhor do que ser a própria novidade? O melhor da noite nem foi testar uns passos adversos ao meio, surpreendendo alguns com o próprio molejo. Não, não foi. Não é.
 Quando nos demos conta, porque uma hora você se dá conta, estamos então na marginalidade. Na margem propriamente dita, ali na entrada da festa, como se fossemos os grandes anfitriões da noite, e ao lado outro grupo, à frente outro, e assim faz a noite, mistificando todo bom senso igualando os indivíduos.
 Meus olhos correm quando os cochichos começam. Identifico figuras caricatas aqui e ali. É o bloco de Humanas. Meio hippies, meio rebeldes, meio quase inteiro. Os passos apressados pareciam iguais aos meus, a roupa escura e fechada não era típico daquele lugar, mas como também este e não tem identificação própria aquele rapaz poderia ser dali tanto quanto eu, então logo ouve outros cochichos. Verifiquei outros grupos, voltei meus olhos aquele que sorria tímido entre a conversa disfarçada de atenção. Acho que ele percebeu, baixo a vista por descuido, olho novamente ajeitando meus óculos- método- ele estava olhando, subiu as sobrancelhas, virei sentindo meu rosto arder. Sabia que estava com todo rubor possível, tento então disfarçar.
 Um calouro. Apenas um calouro sem saber bem o que fazer. Minha vontade era tomar coragem e tentar me enturmar, sei lá. Meus colegas querem voltar pra sala de aula, mas eu quero ficar, quero ver se algo acontece, sinto minha nuca ser beliscada pelo olhar dele. Não tenho coragem de conferir então vejo seus pés, estão apontados pra nós.
 As luzes se apagam do nada. Todas elas. O som fica absurdamente alto e o organizador da festa começa um discurso acompanhado de aplausos e gritos dos outros alunos. Meus colegas começam a voltar pra o nosso bloco, lá longe, sereno, quase deserto de emoções. Aqui só vejo vultos, nem sei mais quem está perto ou quem está longe, só consigo ver a silhueta dos meus pés, como se senti-los dessem um neon vibrante a eles.  
 Decido então voltar. 
 Sou apenas mais um calouro.
 Ninguém vai perceber que não estou na festa, ninguém vai saber que fui até lá.
 Mas eu lembrarei de um sorriso simples de alguém que nunca conheci. 

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...