Ser calouro não é fácil.
É uma verdade quase que absoluta.
E ser calouro em uma festa no campus é tipo um ritual, uma iniciação tímida com uma coragem desastrosa. Não tem as primeiras aulas e para alegrar os olhos da menina, levamos então a comitiva caloura para o primeiro evento oficial da região. Bem, não foi o esperado. Achávamos que seria como nos filmes, mas estava tudo desorganizado, o convite fixado no mural adormecido dizia 18 horas, eram quase 20 e ainda montavam o som. Aos poucos as pessoas começaram a chegar, a música a tocar e tudo ficava mais escuro.
Blackout era o nome da festa, no bloco das ciências humanas, o famoso bloco hippie da universidade. E como tinha brincado no meio do caminho, repeti para os colegas a mesma "Festa estranha com gente esquisita, eu não tô legal", eu estava legal, só fiquei receoso. Por favor não me julgue por ser calouro, ainda não tive muitas experiencias e desse tipo então, melhor nem comentar.
Estávamos em cinco, um número até bom para uma roda de amigos, e mesmo sendo um grupo de pessoas desconhecidas, não tão afins, estávamos a compartilhar o melhor do novo, somos novos, noviços, calouros.
O que melhor do que um grupo de calouros, jovens até dizer basta, numa festa onde todos já se conhecem, já sabem como ir e voltar, comer e beber, onde comprar e vender, o que toca e quem toca; O que é melhor do que ser a própria novidade? O melhor da noite nem foi testar uns passos adversos ao meio, surpreendendo alguns com o próprio molejo. Não, não foi. Não é.
Quando nos demos conta, porque uma hora você se dá conta, estamos então na marginalidade. Na margem propriamente dita, ali na entrada da festa, como se fossemos os grandes anfitriões da noite, e ao lado outro grupo, à frente outro, e assim faz a noite, mistificando todo bom senso igualando os indivíduos.
Meus olhos correm quando os cochichos começam. Identifico figuras caricatas aqui e ali. É o bloco de Humanas. Meio hippies, meio rebeldes, meio quase inteiro. Os passos apressados pareciam iguais aos meus, a roupa escura e fechada não era típico daquele lugar, mas como também este e não tem identificação própria aquele rapaz poderia ser dali tanto quanto eu, então logo ouve outros cochichos. Verifiquei outros grupos, voltei meus olhos aquele que sorria tímido entre a conversa disfarçada de atenção. Acho que ele percebeu, baixo a vista por descuido, olho novamente ajeitando meus óculos- método- ele estava olhando, subiu as sobrancelhas, virei sentindo meu rosto arder. Sabia que estava com todo rubor possível, tento então disfarçar.
Um calouro. Apenas um calouro sem saber bem o que fazer. Minha vontade era tomar coragem e tentar me enturmar, sei lá. Meus colegas querem voltar pra sala de aula, mas eu quero ficar, quero ver se algo acontece, sinto minha nuca ser beliscada pelo olhar dele. Não tenho coragem de conferir então vejo seus pés, estão apontados pra nós.
As luzes se apagam do nada. Todas elas. O som fica absurdamente alto e o organizador da festa começa um discurso acompanhado de aplausos e gritos dos outros alunos. Meus colegas começam a voltar pra o nosso bloco, lá longe, sereno, quase deserto de emoções. Aqui só vejo vultos, nem sei mais quem está perto ou quem está longe, só consigo ver a silhueta dos meus pés, como se senti-los dessem um neon vibrante a eles.
Decido então voltar.
Sou apenas mais um calouro.
Ninguém vai perceber que não estou na festa, ninguém vai saber que fui até lá.
Mas eu lembrarei de um sorriso simples de alguém que nunca conheci.
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