domingo, 29 de setembro de 2019

Muito gelo e dois dedos d'água


Hidrate-se. 
A média de líquido em um corpo adulto é cerca de (aproximadamente = ~)60% de seu peso total.
Somos água, líquidos afins e muitos fluidos. O corpo humano sem água morre; o vegetal sem água morre e os animais sem água também morrem. Somos todos vítimas de um sistema hídrico, ao mesmo tempo, somos todos cúmplices de um mundo aquático. 
Os oceanos, mares, lagos, lagunas e rios nos traçam pontos estratégicos no mapa mundi. Isso nos mostra o quanto é completo todo o sistema da natureza. Mas, o que essa liquidez toda tem a ver comigo? Bem, já sabemos que estamos vivendo tempos líquidos. Tudo muito rápido, muito apático e muito desonesto consigo mesmo. 

Amor líquido, tempo líquido, cidades líquidas... somos líquidos. Assim como temos os entendimentos gerais de Zygmunt Bauman, tudo é muito perecível, vivemos em um tempo tóxico e doente, sedentos por um cura inexistente: a cura da alma sadia. Não adentro no universo das leituras de Zyg, mas já trajando o que a internet trás de melhor em alusão aos seus títulos, tudo se torna "desapegue dele", "fuja de pessoas tóxicas", "não se estresse com eles". Se você perceber sem muita atenção, dará conta que são sempre ordens que expressam que o problema está no outro. Será mesmo?
Uma das primeiras coisas que aprendemos ao fazer um acompanhamento psicológico é aceitar as nossas escolhas, não importando os motivos, apenas aceitar que as coisas foram/são como foram/são. Partindo deste pressuposto, usamos um novo trajar nos aspectos centrais e decisivos de nossas vidas. Tomamos o palco de nossa história e não mais assistimos de telespectadores inertes. Ao ver que podemos sim, muitas vezes, sermos os errados, complicados, tóxicos e até mesmo nocivos ao extremo e tudo bem. Porque neste sentido -de avaliar com propriedade nossa própria culpa (boa ou não)-, neste novo paradigma, criamos uma nova espécie de consciência moral. 
Hidrate-se. 
É muito fácil vivermos sem olhar para trás, sem pedir desculpas ao magoar, contar para os outros como aqueles são tóxicos, aprendermos a desapegar para não sofrermos no amor e empurrar tudo o que for de resultado das nossas próprias escolhas para o próximo: para o possível amor, para a família, amigos, governo... Fazer nossa parte é difícil, não somente por sermos nós os carregadores de todo o resultado que nos espera, mas também, por vezes, a sensatez será a única coisa que nos resta.
Talvez seja nesse termo "sensatez" em que jaz a fórmula mágica dos mais velhos, a temperança que tanto buscamos para tratar dos problemas da vida. A sensatez, ou o uso do bom senso, o curioso olhar naquilo que realmente importa é justo o que nos falta em goles e goles do dia. Hidratar-se com essa proeza de usar de sensatez é algo tido como desafiante. Talvez não para você que hoje lê, talvez amanhã para você que lê hoje. Porém, leia os rótulos: o bom senso não se confunde com o meu senso. 
Preste bastante atenção, pois o bom senso é o que é melhor para toda e qualquer pessoa, prezando por sua vida, família, hábitos e vida comum. É como se fosse um mandamento dos direitos fundamentais do ser humano. O bom senso é algo maior do que nosso próprio querer. 
Para exemplificar melhor, usaremos uma citação antiga e quase perdida: Não é porque todo mundo está fazendo o que é errado que torna aquilo certo. Você já deve ter ouvido isso uma vez ou outra na vida. Faz parte da nossa construção de moralidade. 
Sabe o que massacra a sensatez? A própria cultura do espertalhão. A cultura mesquinha do ser humano que propaga desde os tempos mais remotos da civilização, aquela ideia de que se eu passo a perna em alguém, se eu consigo ludibriar e obter vantagem, ainda que de maneira omissa ou colateral, isto me torna um ser melhor, me torna o espertalhão. Essa cultura que é demonstrada por vezes em vários setores de nossas vidas como no trabalho, na família, na política, na religião, no amor... e por aí vai. Onde tiver um relação social também terá essa cultura perpetuada. O que não quer dizer que exista alguém sem esse sentimento dentro de si. Não, não. Isso é mais intrínseco, resquícios de um traço de sobrevivência. O que, convenhamos, hoje na pós modernidade não seria aceito como justificativa: -Ah, eu não contei para meu colega sobre a mudança da data do projeto porque ele é lerdo, tem que aprender sozinho. Já eu, sou espertalhão e mereço um aumento. 
Hidrate-se. 
Sabe, quanto mais você se aprofundar nas teorias das ciências humanas e observar o que acontece ao teu redor, verás que muita coisa continua o mesmo do mesmo, só com roupagem diferente. 
A sensatez deve ser levada na vida como um mantra e o sentimento do espertalhão como um vício, este combatido um dia por vez e tentando ter o máximo de vigilância. E é aqui que ocorre outra máxima: Errar é humano.
Ah, como me dói ouvir isso das pessoas como se fosse um jargão poético-lírico. A cara que as pessoas fazem ao dizer isso não é de "por favor me perdoe", mas sim de "okay, aceite que já isso passou e eu não quero mais falar disso". 
Se você se interessar em assuntos teórico-práticos atuais, te indico fortemente meu amigo Zyg para uma leitura leve e solta. Não procure resenha de youtube ou resumo no google docs. Leia de maneira a aplicar mesmo, você verá que é tudo muito cru. O que vai fazer sua sensatez ora ou outra pedir para parar. E é normal esse contraste de pensamento, pois a leitura, assim como um copo de água gelada no calor do verão em pleno meio-dia, será um conforto que, ao se tomar tudo em goles largos, você vai ter uma dor extrema mandibular e a sensação de satisfação da friagem estomacal nem será sentida. 
Somos feitos de ~60% de líquido, mais ou menos isso, e temos que nos manter hidratados para ter uma saúde melhor. Os órgãos funcionam melhor quando hidratados, a mucosa se lubrifica como deve, a urina sai clarinha, a mente pensa mais fácil e o suor continua se estiver calor. Não tem como fugir do suor.
Hidrate-se. 
Líquidos fazem parte na vida do planeta Terra, entrando ou saindo do corpo, para beber ou comer, para higiene ou diversão. Para quase tudo usamos líquido. O meu preferido é o café preto e forte. Mas isso é irrelevante.

Já parou para pensar que a humanidade busca vida orgânica galáxias à fora? Tudo motivado pela busca de alguma substância parecida com a nossa água. E você deve ter a certeza que não é por acaso. E não o é. Água é tudo. Líquidos e fluidos que nos formam também. Então por que não usar dessa mistura toda, com um punhado de sensatez, e fazer um dia melhor? 
Hidrate-se. 
Ter um humor agradável, dito não hostil, é o suprassumo da convivência cotidiana. Se você consumir um litro de boas palavras por mês, um gole ou dois por dia, você verá que uma nova galáxia vai surgir, sua sensatez e novos mistérios da mente vão surgir. Não se preocupe, você não vai se contaminar pelo vírus da bipolaridade da direita ou esquerda se ler um livro ou outro, ainda que seja sobre política. Porque nada (além do trauma ou conhecimento) muda a convicção de uma pessoa além de nós mesmo. 
Não seja tímido ao tomar um grande copo d'água ao tocar o alarme que você porá no celular para te lembrar de um copo d'água de duas em duas horas. Regular o sistema hídrico do próprio corpo pode ser tão difícil quanto começar e terminar um livro popular de 242 páginas. 
E sabe o que é o melhor de desses ~60%? É que se você conseguir seguir o ritmo do teu corpo com essas atividades, você vai se sentir cada vez melhor. 
Hidrate-se. 
Embebeda-se de conhecimento.

  


Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...