segunda-feira, 27 de abril de 2015

Impacto


A contagem é deprimente, mas necessária. Lá se vai outro dia, menos um, mais um.
Dias desperdiçados pela insatisfação de viver, em busca de um propósito, uma razão que faça sentido. Onde ficaram os dias luta, os dias de glória?
Onde está o brilho dos meus olhos?
Onde ficaram os sorrisos mais sinceros que almejavam a mudança, o novo, o incrível?
Fácil culpar alguém, algum lugar, algum fator propulsor de decadência, entretanto o que torna tudo isso difícil é encontrar um mero motivo ao qual se agarrar e não desistir. Tão mais fácil absorver a culpa de todos os dias, dos desastre da vida, da falta de sorte, das consequências tão temidas. Dizem os especialistas que a depressão é, em resumo, uma sensação de luto por alguma perda. Um momento que deveria ser passageiro e tornou-se constante. A depressão é perda, a introspecção é busca.
Buscar algo dentro de si que faça sentido em luta ao mundo que tenta te derrubar. E, caído, busco uma maneira de não namorar o arrepio. Sabe porquê eles colocam grades em parapeito? Não para que uma pessoa desavisada caia por um acaso, mas porque o corpo pode ser sequestrado pelo ímpeto da gravidade. Alguns chamam de vertigem, outros de desespero. Eu prefiro chamar de arrepio.
Cada pessoa possui seu próprio sentimento que delimita o corpo da água e margeia a sensação de trespassar a realidade. Pode ser um pouco abstrato, mas cada um de nós já teve o frio na barriga de ver um desastre prestes ao acontecimento, só que ao contrário de sentir os órgãos se revirando ao caos, você sentirá uma sensação diferente, curiosa, e apaixonante.
Alguns fazem disso um trabalho, essas tais coisas radicais, dizem que viciam. Chamam de adrenalina. Chamam de desafiar a morte. Eu chamo de arrepio. E o meu momento mais interessante disso não é apenas namorar a avenida e imaginar os carros em alta velocidade, indo cada vez mais veloz, mais veloz, mais e mais veloz, tão veloz que apenas os luminosos faróis costuram o caminho, fico no estrangular da sensação, em meio-fio, sentido a velocidade dos carros percorrerem meu corpo, me convidando a participar. Minha mente corrói os céus num mantra de libertação a cada passada de caminhão, ônibus ou carro qualquer.
O impulso é sempre o mesmo, e quanto mais os dias passam, quanto mais sufocante são os dias, quanto mais diálogos de ódio e mal-querer é proferido em sentença fustigante, quanto mais salubre e ermo é o sonho que se desconstrói, tudo isso perfura os sentidos da sanidade cruel, deixando apenas na rodovia a única forma de prazer quase que em microsegundo, um breve e singular momento em que os gritos de socorro serão ouvidos, tornar-se-ão pedidos de desculpas, o gutural se fará presente em forma de conforto.
Água deve vir, diz a previsão.
Será quase que um susto, mas passará tão rápida quanto a vida nos olhos quando, finalmente, chegar o momento que minha alma ficará liberta. Quando amanhã será apenas mais um dia, será o último dia, não mais outro dia qualquer. Eu farei tudo do mesmo jeito, ouvirei as mesmas culpas não minhas, tomarei pra si toda dor que nunca tive oportunidade em ter, serei tão amável que ousarão questionar quem sou, de onde vim, pra onde vou. Será um dia como outro qualquer, o dia de são ninguém. Mas amanhã, quando eu for embora, não levarei meus livros, meus jogos, minhas cartas, nem mesmo minhas roupas. Estarei finalmente livre. Estarei finalmente indo embora.
Enquanto namoro os sonhos de liberdade no trespassar dos carros em vento cortante, vejo as luzes da cidade se ascender, vejo em minha mão a estrela da ordem e do caos cerrarem a vida e no próximo passo, como de súbito, eu finalmente estarei livre. E por um breve momento eu serei completo, serei eterno. Eu finalmente sorrirei para você e sussurrarei te desejando o teu maior sonho em concreto.
Serei livre.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

A minha fazenda é melhor que a sua vida.


       O facebook é ainda pior que o orkut porque está na palma da mão. Antes a informação social era cultuada apenas para quem tinha o acesso periódico à internet, mas hoje qualquer pessoa pode fazê-lo, e tudo isso de modo opcional de anonimato. 
       Quanto mais o tempo passa, mais acredito que a finalidade social de uma tal rede social chegou ao fim, ficou escancarado que as pessoas não têm limites, tampouco bom senso para o que fazem no mundo virtual. A cretinização jogada ao léu é tamanha que avacalha qualquer informação, e de logo as mesmas pessoas disseminam sem ter o mínimo de interesse em saber se aquilo é real ou apenas boato, mito.
       Por esse e outros motivos, me reservo ao acompanhamento de contáveis pessoas que, elas sim, espalham informações úteis e até as bobagens são de cunho socialmente significante. Uma diversão é para divertir e não humilhar, uma piada é para rir e não apenas criticar, um jogo é para entreter e não irritar e o seu comentário sobre tudo é para engolir ou vomitar. Sinceramente eu prefiro engolir calado do que questionar certos vazios intelectuais.
       Sou bem feliz utilizando minha ferramente social para poucos fins e até mesmo desinteressantes para a massa, já que filmes, músicas e livros é modinha, do contrário ao mundo político e vigoroso debate entre homossexuais e heterossexuais e suas vidas privadas. Chega a ser engraçado conhecer essas pessoas no mundo real, é praticamente um abismo entre o que elas vivem (como agem, o que comem e onde moram) e o mundo virtual como o Facebook. É notoriamente um Second Life.
       Me pergunto ainda porque as pessoas dizem que o homem não evolui, já que tudo o que ocorreu de 10 anos pra cá foi uma mega transformação, uma das maiores catalizações sociais da era pós moderna, e tudo isso se joga fora ao ver o que se é transmitido ao mundo. É crime, é falso testemunho, é teoria da conspiração das mais bizarras linhas de pensamento, são cruzadas virtuais, perseguições machistas/feministas/transgênero, politicagem sem fundamentações históricas, sensacionalismo exagerado tomado como verdade absoluta... tantas coisas que fogem do caráter normal da humanidade que chega a ser caótico seguir uma linha de tempo positiva.
       O Brasil e o mundo tem os seus problemas, as cidades, bairros e famílias, e o que torna tudo isso mínimo é a sua capacidade de alterar o humor da coisa. Em vez de imagens de catástrofes e mortes, tenta exibir captação de recursos e ajuda, entre discurso de ódio e "gênerofobia", discurse sobre a igualdade-fraternidade-liberdade, seja você a luz dessa escuridão em que o mundo se deixa engolir. Se você compartilha a imagenzinha de Jesus pra provar que tem fé, então tenha, seja cristão e ajude sem querer nada em troca, faça algo real e não virtual. Acabe com o pragmatismo de que tudo é um curtir, porque se você não for trabalhar o salário não será compartilhado pra sua conta, e é justamente aí que você sabe onde o mundo virtual acaba. Quando o bolso dói. E o dinheiro e que o produz continuam se instruindo nas maiores e mais intensificadas formas de se obter mais lucros, mais e mais, sem parar, enquanto isso você fica na miudez de vida serena e interiorana de se preocupar com a vida dos outros e não com a sua.
       FarmVille2 é o que mantem na onda da rede social, se não fosse isso eu teria apenas um holograma que as pessoas iriam interagir e não obter resposta. Sinto falta do MSN por isso, porque era apenas quem nós realmente queríamos que estivessem lá, e não essa polidez social de ter a figurinha do vizinho, do professor, do superior, ou daquele que pode me fazer um favor um dia. Ninguém é obrigado a ser amigo de ninguém, ao mesmo que as pessoas são melindrosas e hipócritas ao ponto de sempre se fazerem de vítimas de si em vez de encarar as próprias escolhas. Uma bipolaridade crítica mais rápida que miojo.
       Então, daí surge uma tag para combater algumas dessas barbaridades diárias. E aqui vai a primeira dica de como não ser um babaca virtual, como não ter uma Second Life: Leia!

Leia bastante.
Leia direto da fonte.
Leia várias fontes, autores e críticas.
Leia sua própria crítica e seus fundamentos.
Leia o seu próprio exemplo.
Leia o seu meio, leia a sua vida.
Leia os termos da lei, do regulamento, da circular.

Ler é encontrar nos símbolos alguma forma de aprendizado. 

Aprenda, se eduque, se transforme.

Quando isso não for mais suficiente, aí você estará pronto para começar a falar.
       
      Mas ainda assim não será mais um debate, porque você vai aprender que não há apenas um lado correto, não há um mero ponto de vista, porque existe um emaranhado de situações, pessoas e sociabilidade ética envolvida que chega a ser sufocante ao mero olhar, mas que dá pra saber exatamente onde existe falha, onde existe êxito. Serão conversas sadias, ideologias mescladas que começaram a emergir do âmago do teu ser. Você evoluirá como pessoa, se tornando então um ser humano e não será mais a massa.
       A minha fazenda é melhor que a sua vida, apenas por não me interessar o que você come, onde você vai todos os fins de semana, ou o quanto de álcool você aguenta tomar. Não me interessa sua ladainhas piegas quando você transa mais que uma profissional do sexo, ou quando você vai tomar soro na veia para não ir trabalhar... São tantos exemplos de desnecessidades postadas a cada segundo que me pergunto se a vida privada é algo que alguém compra, ou se alguém faz questão de comprar. Não sei ao certo. Entretanto, sei que tem retorno, e terá retorno, pelo menos de algumas das discussões, porque alguém tem que ser o guia, alguém tem que mostrar a luz. Enquanto isso, ficarei cuidando da minha fazenda, crescendo e aprendendo, me divertindo com esta tal rede social.


Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...