domingo, 12 de fevereiro de 2017

Monalisa não sorri.


A maratona estava posta em subjugadas 48 horas quase ininterruptas de falatórios. Fiquei firme. Sabia que a qualquer momento tudo se romperia, tudo seria jogado ao ar. Todavia, parecendo perecer, ela superou. Monalisa estava, finalmente, entendendo que a vida é aquilo que se lê entre linhas. Posou a cabeça dentro das mãos, momento único de desistência voluntária, chorou. Monalisa chorou. Chorava com raiva de si. As lágrimas de arrependimento escorriam face abaixo. Ela não sabia o quanto era difícil insistir em si. E, quando entendeu, sozinha, enxugou suas próprias mágoas.
Monalisa esperou que eu fosse dizer algo, acalentá-la. Não o fiz em solidariedade. Não disse que era assim mesmo, não afirmei quer era tudo difícil e que valeria a pena. Não fiz nada que vocês humanos fazem nestas ocasiões. Ela teve o melhor que poderia, ela teve a indiferença. O medo de falhar e ser julgado nos deixa embebidos em uma vida líquida, e quando encontramos o não-julgamento, temos assim um ponto de solidez. Em tempos de contraditório, afirmar é quase radical. Do mesmo acontece quando se tem algo tão valioso quanto a própria certeza de si. 
Pode me culpa e dizer que é desumano deixar alguém chorar e não confortá-lo, pode dizer o que quiser. Só não digas que ousei distrair o foco, que tentei desviar a atenção composta de fatores educacionais. Pode culpar tudo depois que conseguirmos nosso marco, só não o faça por agora, vai estragar tudo. Se tu soubesse como machuca desacreditar pessoas, possivelmente nunca duvidaria do potencial. Pois acredite, Monalisa se importa muito com os julgamentos alheios. Coitada. 
Por isso, ao esperar Monalisa tomar água e recomeçar as leituras, vi ali um ponto de solidez. Monalisa não sabia que estava crescendo, como aquilo ia ser difícil, e talvez pesado, mas ela não estava sozinha. Não. Monalisa tem e terá sempre ajuda, ainda que não saiba, porque a vida nos mostra que alguns seres só existem para nos fazer evoluir. Seres divinos.
Depois de 30 anos relutando e remoendo memórias, tivemos uma tarde de enfrentar os traumas, alguns poucos claro. Em um rápido convívio, aprendemos, explicamos, voltamos a rever o revisto revisado pausado, "volta que me perdi", conversamos, rimos, comemos, dividimos segredos e esperanças. E a melhor parte disso tudo é que, em uma tarde livre, você me falou algo que nunca falou pra ninguém. Monalisa.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

1963



Faltou chover para finalizar a morbidade deste dia que ousa começar. Pronto. Agora está chovendo. Me parece que o êxito hoje é todo dele. Levanto da cama com a cabeça sendo esmagada por uma ressaca maldita, lembro de ter aceitado a bebedeira como ato unânime de redenção. Não consigo levantar, não quero. Sucumbo ao marasmo e fico sentada, tentando respirar algo além do cheiro de álcool que suo. Derrotada e sem tentar, imagino a vida dessas mulheres perfeitinhas, brancas como leite, loiras, de sorriso impecável. Vacas. Todas vacas. Pedaços de carne que vão apodrecendo até ninguém querer mais. Um risinho sufocado me vem ao começar a lembrar dela, a outra. Apanho um cigarro na cabeceira, não me vem ligar o abajur, não convém sair antes das duas da tarde e, por isso, nem busco as horas. Sou livre, faço o que quero. Eles rastejam aos meus pés, tenho dinheiro, fama e um marido. Ou melhor, tinha um marido. Não sei se puseram meu clamor em ação. Agora me arrependo de pedir ao meus seguranças que dessem um fim nele e, principalmente nela. Aquela branquela nojenta. O cigarro vai me inflando e derramo no ar o espesso gasoso de pura nicotina. Vou parar de fumar depois desse, prometo. Minhas costas doem, meus pés doem, e eu quero morrer. Preciso encarar os jornalistas escrotos que só acham manchete em relações desastrosas. Claro, não sou perfeita, mas ele quem deve estar com o crédito de maior canalha que alguém pode conhecer. Levo a mão ao rosto enxugando as lágrimas, sinto a mão tremer, o cigarro treme junto. E sinto uma mágoa, mais raiva e tristeza que me faz desabar. Um buraco que me suga para dentro. Se pudesse, sumiria. Vou voltar a ser anônima por um tempo, talvez até dê. O carpete se corrói em cinzas e bitucas, este quarto cheira a ressaca. O enjoou quer tomar conta da dor de cabeça. Decido levantar e, como mais um dia, postar meu eu ao que realmente me liberta: a música.
Porque sou mulher, porque sou negra, porque sou Simone.  

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...