quarta-feira, 29 de julho de 2020

O mesmo time


Imagem de AmalasRosa

Converso com um controverso. É difícil no começo, depois se torna divertido, mas agora é só um monte de repetição. Repetir o assunto nem é o que acontece, isso seria o de menos. A repetição de desculpas é o que acaba afundando o assunto em respostas não tão verdadeiras. É como se a pessoa que começa a remoer o que disse para ter a aceitação do discurso não fosse capaz de errar, ou ao menos nunca quisesse. 
Um diálogo com alguém assim é o mesmo que conversar com um olavista sem ter os palavrões. Ele tenta contorcer tudo o que falou, tornando uma armadilha argumentativa para que no final ele tenha razão. O problema do Olavismo é que ele não é inteligente, é pseudointeligente. Uma artimanha fajuta que tenta forçar seu processamento de ideias, confundindo-as e tornando-as duvidosas ao ponto de você concordar com ele.
Soa como cansativo e é.
Dialogar com alguém que pratica isso o tempo todo é enfadonho. O cunho olavista em oratória é altamente proposital, e esse controverso não faz isso baseado no charlatão. É um ato instintivo e bem tradicional de quem vem da religião. Nada é bom o suficiente e se perpassa para a ideia de aceitação. Tudo tem que ser no ideal imaginado por ele e acaba frustrando o mesmo.
Por exemplo, ele usa o tinder, grindr, scruff, badoo, parperfeito, e outros aplicativos além das redes facebook, instagram e twitter para conversar com pessoas que ele acha interessante. Ao mesmo tempo que diz que não está procurando ninguém porque ele ainda nem se sente suficiente pra si. Depois dessa parte ele volta a falar dos diálogos nada ortodoxos nesses aplicativos de relacionamentos, depois fala que desistiu de todos. Ao ser perguntado se ele desinstalou tudo, ele ri e diz que ainda não está pronto. 
Ser alguém que tem limitações de interação humana é uma coisa, lidar com alguém controverso é um ato violentamente desafiador. Ouvir uma coisa e ver a ação do completo diferente é algo que me deixa a perguntar "o que eu devo dizer?". Ele me pede uma opinião, eu falo sobre o que ele quer ouvir ou sobre o que eu penso disso tudo?
Confuso.
Não tem palavra melhor para descrever como eu fico a todo momento presente com essa pessoa. O controverso é divertido em si, por essa habilidade de nem ele conseguir seguir seu próprio raciocínio, ao mesmo que me deixa triste por saber que aquilo vai minando seu humor até dragá-lo e triturá-lo dia-após-dia. 
Contei a ele que existe um padrão em tudo o que ele faz. E, como sempre, ele encucou com isso e fica repetindo a todo momento. Eu esqueço que nunca posso falar o que realmente acho porque ele não lida de uma maneira positiva. Rejeição o faz se cancelar, destruir todas as redes, apagar as memórias e se fechar em uma cápsula espinhosa que só tem mágoa. Por isso, tento sempre articular pensamentos que deixe o conceito de rejeição longe.
Tudo o que ele precisa é de alguém que jogue no mesmo time que ele, que o entenda, que concorde com ele, que o desaprove quando sincero, que o incentive ao seu potencial máximo, que fale de arte, de cinema, de música, que beba, que dance, que deite e role, que pule e dê acrobacia. Tudo o que ele precisa é dele mesmo, uma conversa dura e vorpal que estraçalhe sua mágoa com o passado e estilhace a idealização da família margarina. 
A equipe que ele precisa é nada mais que amigos que o abracem, um bom terapeuta que o faça sempre se afastar da rejeição e uma família que não o atrapalhe. 
Espero que um dia ele saia da terapia via youtube e consiga ter alguém qualificado para ouvi-lo e guiá-lo para seu melhor. Se todo mundo fizesse terapia, talvez o mundo fosse 1% melhor.

Metrô


Arte de @Bysau_

"Pegou a máscara?" é o novo "pegou a carteira?". É interessante visualizar o mundo estranho que vivo. Uma metade está lutando contra uma pandemia e a outra finge que nada acontece. Uma metade é tomada pelo espírito negacionista e a outra pela solidariedade. Uma metade é sensata, a outra nem pensa. E assim foram os dias, estão sendo os dias durante esta quarentena. 
Sei que parece errado te falar, mas essas metades que te falei agora são difusas e coletivas. É muito pontual encontrar alguém que seja mesmo 50% um ou outro, pois no senso comum elas se confundem muito. A educação brasileira não é capaz de formar um indivíduo com capacidade suficiente em valores éticos, morais e sociais.
Tenho conhecimento de pessoas que estavam em quarentena e distanciamento social desde fevereiro. E a cada semana passava uma experiência em casas diferentes. Começou indo na casa da amiga, passar 10 dias lá, porque ela também estava em quarentena e isolamento social, depois foi na casa da tia, passar mais tantos dias, e na outra vez outra pessoa e assim foi. Foi até apresentar o famoso sintoma de coronavírus. E a grande surpresa era como ela tinha pego se ela estava em quarentena e isolamento social.
Sair de casa, pegar ônibus, uber, taxi, carona, ir à feira, mercado, shopping, praia, falar com familiares, vizinhos, amigos e no final: como eu peguei o coronavírus?
Outro caso curioso foi o acolhimento do corona. Um familiar estava com claros sintomas de contaminação e durante toda sua fase sintomática (tosse, febre, falta de ar) ele foi visitar os familiares todos os dias e ficava lá tendo atenção por estar doente, e nos finais de semana ia para as festas de pagode na chácara que começa sexta e termina domingo. Daí, não acreditando em coronavírus, não foi fazer o exame, não se preocupou em passar o vírus para os outros e, no fim, os familiares ficaram gravemente doentes. E, em vez de ter atenção do mais novo que contaminou, este não deu qualquer apoio porque tinha medo de ficar doente. A família passou bocados severos e dramáticos por toda a fase sintomática. Muita febre, diarreia, oxigênio e entubação. E no dia de vida-ou-morte, o infectador estava em pagode, sambando para o egoísmo estrutural.
O enterro do meu tio foi rápido, quando eu soube da notícia, lá em meados de abril, já era tarde demais. Tudo aconteceu muito rápido, mas vai ser digerido na memória até o fim dos tempos. Hoje, vendo as pessoas indo e vindo sem qualquer preocupação me pergunto: vale a pena continuar vivendo num mundo desse?
As pessoas que se importam, não se importam. Suas palavras de preocupação só servem para massagear o ego e minimizar a culpa. Elas pegam a máscara e vão visitar os parentes e amigos, vão ao shopping, à praia, aos bares aos montes. Boa parte sem máscara, Deus está protegendo, a saúde foi ungida. Deus no comando, anticristo no poder, ninguém se importando verdadeiramente. Governo desdenha do pobre, o pobre se sujeito ao desespero. Brasil.
E quanto mais os dados são somados, mais cremos que não adianta. Não adianta conversar, não adianta estudar, não adianta se importar. Essa geração de civilização está novamente perdida. A passada pela ditadura, essa pela distorção. Sorte da próxima que ainda pode sonhar com a ilusão de ser o que quiser.

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...