quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Sobre a Corda.


     E com apreço ela repetiu gesticulando, e em simples passos me convenci que seria extremamente difícil. O olhar jabuticabal tornara o ensinamento prazerosamente doce e com sorriso firme ela explicou:

-Regra número um: Postura!
     
     De logo já esbanjei sorriso resplandescente em contra partida ao que pensava com meus botões. "Como vou ter postura?"- pensei. "Sou jovem, e como tal, sou desengonçadamente torto". "Postura... rum."- retruquei consigo.

-Regra número dois: Foco!

    Ela me disse para concetrar-me num ponto fixo, para que assim pudesse ir em tal direção. Ela gesticulava tão convicta que poderia realmente funcionar. Ela explicara que o foco, ou ponto firme, poderia ser o fim da corda, o meio do coqueiro, ou qualquer coisa que pudesse manter a concentração. Pensei de pronto "Essa parte é simples, problema são as outras coisas". 
   Ela levantou os braços e subiu em um único movimento, tão mecanicamente perfeito que imaginei-a sempre fazendo aquilo. Fora algo tão natural que espantou o meu olhar, ela agiu de forma espontânea tal qual respirar e, ao ouvi-la em tons brandos "Procure seu ponto de equilíbrio", gargalhei.

-Regra número três: Levante os braços e procure seu ponto de equilíbrio!

    Equilíbrio ao som da loucura é utópico e surreal. É mais fácil o encontro ao amor do que ao equilíbrio, onde drasticamente percorre o badalar de tanta informação. Mas as tentativas a sorte ou revés se contrastam entre linhas e cores, restando apenas a figuração do próprio sentimento fugaz.


     O danificado congênito labirinto, assim como outras partes do frágil organismo, aguardara o momento de mostrar-se capaz. Seria ali o teste feito contra sua vontade, algo que há muito protelei por meio cômodo. Depois de ver algumas tentativas, com e sem êxito, surgiu a minha vez. Lembra das três regras que a meiga me explicara logo no início? Elas se resumem em uma regra só: Tenha bastante paciência.
     Tentei uma, duas ,três, dezessete vezes. Sempre tentando equilibrar meu corpo perante uma tarja de amarelo comprimento. Não objetivava um passo dar, apenas equilibrar o corpo sob ele mesmo, sobre o peso de todo o universo que conspirava ao meu favor, tal logo o dia favorecera todos os níveis de possibilidades, tranquilo se promoveu até aquele momento, até o momento de revisar o contato com os amistosos.
     Atravessado o luar, vigiando seus oportunistas durante uma quente noite de primavera. O meu percurso lunar fora regado de colírios nunca antes vistos e findou-se em peculiar olhar em avaliação para um único par de olhos. Eloquente o olhar que cantarolava uma canção que já ouvi por um tempo, em breve momento duvidei de conhecer a tal canção, mas de logo identifiquei a melodia. Era um clássico em disparate.
     Turbilhão de ideias, frases, eventos, situações e respostas circulavam a minha mente. "Levantar os malditos braços"- pensei consigo ao ver em outra corda a felicidade, infantil com segundas intenções, percorrendo o tracejo. Cai em segundos, rodopiei em próprio eixo e voltei a tentar. "Foco, foco, foco"- repetia em agonia verificando a ponta onde pousava o conhecido que conversara coisas outras com o amigo particular. Alguns segundos e voltei ao solo. "Porra!"-resmunguei em descontento. E como se fosse uma questão de primordial atitude, apoiei meu pé direito no amostardar caminho traiçoeiro e sussurrei "Postura". 
      A salina brisa da primavera carregou todos os meus anseios para longe, respirando fundo abdiquei de todo o malévolo comportamento controlado em proporções sociais, como natural acatei a sorte da hora. A palma suja de areia e grama do meu pé tocou as fibras de cor ávida por determinação, senti cada centímetro daquela esticada contenção, era áspero, reto, maleavelmente seguro e claramente divertido. Expirei toda a minha vida, todos os meus mundos, ceguei minhas teorias e práticas, ensurdeci o mundo como se nunca o fizera. Foquei. Ao leve balança de braços encontrei um ou outro ponto de possível eixo 0, curvei, estiquei, balancei suavemente para um lado. Outro pé escorreu à frente, como em um filme que sabemos o que vai acontecer e mesmo assim criamos a expectativa do impossível, tinha os dois pés na corda, o corpo em trabalho com o espaço e a mente em marco nenhum. 
     Minha pupila dilatou, meus sentidos fugiram da realidade, imergi.
    Tive a pior sensação do mundo. Sentir a corda fixar-se ao ar e ao redor mover. Tudo fibrilava em resposta ao meu corpo, o que realmente acontecera era mortalmente impossível, não era a corda que bambeava e eu tendo que me equilibrar, mas sim tudo a minha volta se recontorcia em contra partida ao próprio senso rotacional de condição múltipla e inimaginável. Seria este o ponto de equilíbrio da loucura? Seria assim que todos os praticantes sentiam ao estar se equilibrando?
     

     

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