Ao responder o comentário dela me surpreendi com a falta de coragem. "Para quê escrever num país que ninguém lê?", disse ela com toda pompa, tanta propriedade em sua indignação que senti sua saliva escapulir. Ainda que, passadas as semanas deste mesmo evento, minha resposta foi eficaz e demasiado sincera: "Alguém sempre lê. Sempre."
E disto eu tenho plena convicção, ainda que alguns digam que escrevem para si, que escrevem para não morrer, todos tolos. Todo mundo escreve para alguém, uma hora ou outra este alguém é tomado por arroubo de uma frase, um texto, um comentário qualquer ainda que misdirecionado. Porque essa é a lógica de escrever, acertar ainda que fadigamente aquele ou aquela que se abre mão de estar fazendo qualquer coisa e parou, ainda que por um segundo, para ler. Para te ler.
Deve ser por estas tantas que a gente acaba vítima de si. Obrigando-se quase que sempre à composição de novas e novas frases cimentadas com esmero. Sabe, vou ser sincero contigo, ou melhor, vou apenas dizer-te o quanto estou feliz por estar aqui dizendo nada. Porque esta mensagem não é para você que está lendo, não não. É para mim. No futuro. Quando eu ficar sem rumo, triste e desolado, me sentido como por esses dias cinzas que me tomam parte viciada. Terei que ver que alguém sempre irá nos escrever, e no momento certo a mensagem será recebida, abraçada quase que por completo à tentativa sagaz de contento.
Caso você se depare com essas suavidades ora real ora insistente, não se reprima. Exprima. Apresente-se à alguma coisa que te possa explorar sem ser julgado. Escreva, ainda que amasse as folhas com raiva e jogue em fora tudo aquilo que está entalado na garganta; escreva mesmo que as folhas se abarrotem por ter as linhas embargadas com dor, com mágoa, com a angústia de ser; escreva freneticamente como se não tivesse tempo algum para respirar mesmo querendo mas o mundo pode acabar a qualquer momento e já não temos tempo para nada a não ser continuar; escreva, leia, escreva, respire, escreva e sinta que tudo fica mais leve.
Sempre escrevo cartas aos que tenho saudades, talvez até tenha escrito ontem uma carta para ti. Minhas cartas são todas diagramadas conforme a norma culta, com cabeçalho, data, e muito dizer. Todas as cartas tem seu final distinto, um P.S.: com uma citação, o envelope é escolhido a dedo e, após colocar o remetente, queimo-a. Com medo de alguém encontrar minhas cartas endereçadas e postá-las, com medo de alguém violá-las sem qualquer pudor, queimo-as. Ato revolucionário que alivia e magoa.
Cada uma com sua própria primazia sedutora. Cada som gravado em celulose e, principalmente, o meu silêncio.
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