Ontem, lá pelas tantas da madrugada, acordado por não poder dormir, por temer dormir, por temer sonhar com o amanhã, me deparei com solicitude drástica que vingou-se tão completamente. A vida se esparramou sobre a cama, uma bagunça tão significante que combalia qualquer esperança de quietude. Tomei impulso pequeno ao lançar os dedos trêmulos nas primeiras gravuras de passado, receio que era tristeza que me tenha sucumbido, pois havia tanto que gritava por mim, chamava meu nome, o meu verdadeiro nome. Tudo ali em cima da colcha pueril, desdenhada por prazer, me olhava, me julgava. O suspiro profundo denunciava remorso. A frieza da noite abraçou-me, as luzes da rua afagavam todo aquele contexto, era mais uma noite de solidão. Sozinho de si, passei a enfrentar tudo o que deixei para trás, todas as pequenas coisas que um dia ia consertar e nunca fiz, papéis que ia retomar e nunca mais voltei ali, as fotos... as nossas fotos de momentos tão incríveis estavam ali, amassadas pela dor, com o manto do tempo em jazigo. Ao tocar as laminas me toquei que fazia muito tempo que não era ouvido, que não falava sobre a coisa mais terrível do mundo, o segredo que já nem lembrava e que me marca para onde quer que vá. Uns minutos se passaram desde que comecei a organizar a vida tão exposta e vulnerável. Uns minutos, horas, dias... aproveitando cada sensação de culpa, remorso, alegria, prazer... tantas emoções engavetadas para o depois, para o quando eu tiver mais tempo, quando eu tiver mais dinheiro, quando...
O mais interessante disso tudo é que, ao se dar conta que finalmente eu estava onde nunca tinha sonhado antes, onde a possibilidade de estar fazendo aquilo, fazendo isto aqui, defrontando tudo e qualquer coisa de uma maneira tão sensata, é tão disforme da perspectiva global que me sequestra ao absorto universo particular. O meu próprio universo dentro de algo tão único quanto o primeiro átomo revelado, ao primeiro beijo, ao primeiro salário recebido depois de tanto esforço... o momento mais importante do dia não é realmente aquele que você aprendeu algo novo, ou alguém que conheceu, ou até mesmo se sorriu ou se chorou, nada disso. Na verdade isso nem existe, essa coisa de momento mais importante é uma mera invenção.
Você se dará conta, assim como eu, que o momento mais importante é aquele ao qual você parará, não dará conta mas o fará, será automático, será hilário e constrangedor ao mesmo tempo, uma sensação de importância e impotência tão grande que suas pernas podem fraquejar, suas mãos só encontraram o rosto e se banharão por água e sal. Este será o momento mais importante do presente, quando acontecer lá no futuro qualquer, a qualquer momento, você se lembrará do passado, olhará para trás com tanta vontade que seu peito não suportará tanta vergonha, tanta coragem, tanto orgulho esbugalhando as cordas vocais em pedido de ajuda. Ajuda nenhuma virá, e você sabe disso. Eu sei disso. Estou aqui agora. No exato momento em que tudo acontece, no momento perfeito da imperfeição clara e nua. Não é algo público, é algo ínfimo e íntimo, algo só nosso, perfeito. E quando você colocar tudo onde puder ver, quando espalhar toda a sua vida numa colcha que devora a solidão terá então, a minimização do que não importa. Será apenas você.
Eu, conquistador de universos múltiplos, mero desbravador de paradigmas, estou no meio da construção desta nova etapa. Parei um pouco para sentir e entender os porquês de tanto por nada. E como um conselho adicional para você caro leitor, quando não tiver mais forças para continuar está jornada solitária do autoconhecimento, pare um pouco, pouse sua xícara ao canto, sorva os cheiros ao redor, os sons, veja as luzes que te circunda. Lembre que o mundo continua posto mesmo sem você, e aceite que nada é perfeito nem Deus, nem a vida, nem nada, e logo após que aceitar a imperfeição de tudo, saberá de fato que esta é a maior perfeição do momento. Aceitar que a vida é tão simplificada em confusão. Ande um pouco para que o aceite decante, assente na consciência. Veja a noite como é linda, fique nela, sinta-a. Sereno.
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