quarta-feira, 22 de julho de 2015

Na manhã do primeiro dia.


Acordando como um animal, cacei com os olhos por algo irregular. As janelas recebiam o calor do sol, as cortinas dançavam ao convite do vento e eu... bem, eu começava a entender que a dor de cabeça era apenas parte de tudo, não só consequência de vinho barato. Levanto com o gosto amargo na boca, gosto de ferro. A cama revirada não seria a melhor descrição para o furacão que deve ter passado por aqui ontem, os lençóis parte no chão, parte na cama, tem livro jogado, papel de parede rasgado, e a minha cabeça apenas dói, pulsando para que eu não tente lembrar de ontem. Aspirina, é isso que ela quer que eu lembre. O pisar no chão é modesto, sinto um calor diferente, como se o carpete abraçasse meus pés, tão macio que dá vontade de se esfregar todo nele.
O pijama já era, só tento vestir alguma coisa porque me sinto vulnerável quando estou pelado. Esse gosto já está me dando enjoo. Acho uma calça de moleton debruçada na cadeira da escrivaninha. Sigo ao banheiro em busca de aspirira, não sei bem onde guardo remédio, se é que tem algum aqui em casa. Bom, pelo menos no banheiro o furacão não passou, está tudo limpo e em ordem, as toalhas nos devidos lugares, o espelho limpo, a pia também, o vaso nem se fala, aproveito ele pra não deixar tudo tão limpo, afinal de contas urinar é quase que ritual sagrado depois de levantar da cama. Esse cheiro... Não é minha urina que está cheirando a perfume, e também não sou eu. Aqui não, esse lado também não, minha calça também não é, cheirei ela antes de vestir só para saber se estava limpa. Abro o box do chuveiro farejando. A porta tem cheiro de nada, as paredes também, levanto o pescoço para tentar cheirar o chuveiro, mas não é dali. Me ajoelho para checar o ralo. Esse cheiro... 
Terra. Cheiro de terra, não de perfume. Não existe perfume de terra, não é? Estranho demais isso. O chão está seco, não úmido ou molhado. Seco. O chuveiro está frio, não lembro de ter tomado banho quando cheguei, se é que essa dor me deixa lembrar alguma coisa. Tiro as calças ali mesmo, jogo para fora e ligo o chuveiro para acabar com a sensação de sujo. 
A água é morna, achei que seria gelada. Esfrego meu corpo todo só com as mãos mesmo, deixando a camada de suor escorrer pelo ralo. Sinto como se o mundo escorresse pelas minhas costas, o peso todo vai sendo levado, e o cansaço vai dando lugar ao novo fôlego. Me apoio para molhar apenas a cabeça, em um enxágue demorado, massageando minha cabeça parece que a dor também está indo embora. O que foi isso?
Desligo o chuveiro bruscamente ao ouvi alguém falando. Fico quieto para tentar ouvir novamente. Será que foi lá fora? Será que eu ouvi alguém me chamando? Os pingos do corpo não perturbam minha concentração, e demoradamente abro o box, atento, pego a toalha ali posta, e enrolo no em mim. Continuo com a sensação de que tem um perfume no ar, é doce mas não muito irritante, como se já tivesse ali faz muito tempo, apenas uma marca deixada para fazer presença, seria alguma mulher que eu acabei trazendo para casa? Volto em passos contados ao quarto, procuro algum indício de mulher. Nada. O perfume deve ter impregnado o meu nariz, isso sim.
"Acorde!", ouço novamente, giro para ver mas não tem nada. Acho que estou ficando louco, só pode. Quero a dor de cabeça de volta, ponho a mão nela procurando algum galo, corte, ou sei lá. Muito cedo para ouvir coisas. Meu coração acelera, sinto o sangue correndo pelas veias com violência, algo está acontecendo. Está acontecendo! Começo a ficar ofegante, confuso, tento me segurar em alguma coisa. Não consigo me mexer direito! Não sinto minhas pernas. Essa... essa sensação... mas o quê? 
 

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