segunda-feira, 1 de março de 2021

Março

 

Photo by @you_yamate

Era exatamente primeiro de março quando estava em uma inauguração. Era o espaço das doulas, junto com uma loja de produtos naturais. Algo bolado com intuito de agregar mulheres locais, fortes e trabalhadoras, para trocar ideias, manter contatos e usar um espaço para diversas atividades. Os grupos de grávidas e mães estavam presentes, os familiares das fundadoras também, os amigos de trabalhos e colega do amigo também apareceram para dar todo o prestígio merecido da nobre causa. Era um domingo, numa tarde quente, houve discurso, vídeo, testemunhos e vários sorrisos. O vozerio era sentido desde a quadra anterior, os carros dos visitantes alocavam cada centímetro do meio-fio, as crianças gritavam e corriam soltas. 

Tinha chá, café, e suco, torradas, bolo, bolachas e patês. Tinha um bocado de coisa para um coffee-break decente. Um coquetel talvez fosse feito falta depois das 16 horas, mas ninguém ousou perguntar. As fotos foram postadas em todas as redes possíveis, os vídeos nos ares, os comentários de sucesso e esperança eram rolados a todo vapor.

Não posso dizer que esquecível, muito pelo contrário. Essa foi a ultima festa, evento, confraternização e encontro que fiz durante todo esse processo de pandemia. Naquela semana eu ainda fui algumas vezes no espaço dar auxílio administrativo na empresa de produtos naturais, parece que nunca aconteceu. Depois de tanto, mas tanto tempo, a memória daqueles dias se perderam, para o marco do dia primeiro.

Pisei no gramado com descalços pés, o chão era frio e úmido, o clima era quente, a brisa deixava a desejar. Foi um domingo longo como a própria tarde. Revisitamos aquele dia em memória uma ou duas vezes para falar sobre todas as pessoas queridas que ali estavam. Hoje, pensando muito sobre aquele dia, só me resta olhar para a foto das foto que tirei e fiquei de postar. Eu esperava uma grande texto icônico sobre a vida das pessoas e das ideais transeuntes. 

Estamos em mais um lockdown. As lojas fechadas por uma semana, as escolas abertas para as crianças. Os bares e restaurantes funcionam normal durante o dia, à noite um ou outro arrisca o drama da fiscalização. O corpo da saúde colapsou mais uma vez. Todo mundo doente e buscando o que dá de esperança, remédios, consultas e exames. Ainda é o mesmo vírus, talvez uma linhagem das 5 existentes, mas o nome é o mesmo. 

Após ficar internado por alergia à dengue, me encontro mais uma vez olhando pela varanda as coisas se repetirem um ano depois de tudo começar aqui na cidade. Eles não levam a sério, não fazem o mínimo, pessoas morrem todos os dias. Até quando? Essa é a pergunta que faço todos os dias desde as primeiras notícias de contaminação no Brasil. 

Sei que pra você, possivelmente, eu continuar em isolamento é idiotice (como disse o médico que me atendeu na emergência), que a gente não pode parar de aproveitar tudo que temos porque o outro não está fazendo a parte dele. Olha, eu até estou cansado, realmente exausto disso tudo, porém nada, NADA, justifica colocar a vida do outro em risco, ainda que ele não se importe. Porque, afinal de contas, eu me importo. Eu me importo por mim, por você e por eles. Por isso, e mais algumas convicções, não sairei de casa se não for estritamente necessário. 

E quando eu puder sair, seguro e a salvo de protocolos pseudo efetivos, eu te trarei todas as cores da rua. 


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