Arte: Comfort Zone by Chantal Horeis ou @chantal_horeis |
A lista de leituras deste ano foi composta, quase que exclusivamente, da lista entregue no sítio da BBC News, emissora de telejornalismo. Esta lista grafava todos os vinte livros mais mentidos da década. Mentidos por muita gente. "Ah, eu conheço a história, já li na infância", é quase que bem assim que eles falam sobre. Na verdade, eles só viram algum desenho ou filme, ou mesmo alguém falando em modo resenha sobre a história, e por ouvir os detalhes principais, replicam sem ter a culpa de precisar ler o livro citado.
E isso é ruim? Bem, às vezes sim. Tirar o mérito da obra por acreditar que tem o domínio do conhecimento é como dizer que não vai assistir a novela porque sabe que no final os mocinhos acabam juntos, o vilão se arrepende, e há sempre uma festa de casamento para encerrar a trama. Resumir novela desta maneira é ou não impróprio? É como este vídeo icônico aqui (https://www.youtube.com/watch?v=-yr8YzTzwv4), o famoso vídeo do "tananan" que explícitamente mostra como a linguagem é importante.
Você teria vergonha de não ter assistido o filme Titanic, por exemplo? Em uma roda de conversa, quando indagado por algo tão rebatido e consolidado como a história do Titanic, não ter assistido o filme vai te trazer um "você precisa ver, é um clássico". E isso não é ruim, indicações de coisas que nos marcam, sejam filmes, séries, músicas, eventos, jogos, locais, comidas e até pessoas (por quê não?), faz parte da nossa construção de relacionamentos. Receber indicações de remédio e não tomá-lo não te tornas um herege, então por que na literatura acontece disso?
Não ler um clássico literário não te tornas herege, fique tranquilo, observe que a premissa de ler já é um tanto que delicada. Ler sempre foi um ato superior. Antigamente, só as pessoas importantes tinham o dom da palavra escrita e falada, o objetivo da vida era apenas sobreviver e não pensar. Tempo vai passando, seres humanos vão criando vínculos, testando ações e reações, vem a fala, as pinturas, a escrita, a conversa, a linguagem como um todo e voilà, temos o que conhecemos de comunidade eloquente. Ou ao menos próximo disso. Quem tem dinheiro tem educação, e quem não tem: lavoura. Era assim nas minhas terras antigamente. Sabe dizer se é assim hoje?
Quanto mais dinheiro a família tem, mais oportunidades de aprendizagem, melhores professores, materiais de estudo, viagens explanatórias e experiências únicas. Quanto menos dinheiro, mais sonhos de ter mais oportunidades. O sistema não perdoa. E toda essa volta só para te dizer que o livro é como uma arma, quanto mais você lê, mais você se carrega de munição. Seja ela educacional ou técnica, ficcional ou não-ficcional, em texto corrido ou poesia. Ler é uma condição de superioridade automática, tanto que a preconcepção de pessoa inteligente é aquele que usa óculos de grau. Quem lê muito, sabe muito.
Não é de hoje que essas névoas de conceitos antigos nos ronda, e ora eles têm razão e ora não. Quando me perguntam, em uma conversa trivial, o que gosto de fazer, sempre sou sincero e digo que gosto de ler, ler bastante, ler tudo e qualquer gênero que me ponham. Daí a réplica sempre é "eu também gosto/amo ler", e quando esta vai se explicar o que anda lendo surgem certos clichês sociais: não tenho o tempo que gostaria para me dedicar a isso; não consigo ler muito porque tenho filho(s), ando atarefado para ler, mas juro que gosto muito.
E eu acho isso muito triste. Por ambos os fatos, o primeiro pela resposta ser sempre a obrigatória para que socialmente os outros não achem que a pessoa seja um troglodita; segundo, por saber que todas as respostas podem ser cem por cento verdade e de uma maneira bem massacrante.
Para desmistificar um pouco essa lista em que as pessoas mentem, decidi fazê-lo pelo prazer do teste. Será mesmo que é um conteúdo feito para qualquer pessoa ou um nicho específico? Se essa lista é tão popular, o que ocorre que não chega ao interesse de correr os olhos nas linhas dessas fabulosas histórias?
Me veio uma vez que a história é tão conhecida e simples que nem é necessário ler para saber o que acontece. Como num conto de mistério de "quem matou o coronel Mostarda na sala com um candelabro?", e você já começa sabendo que foi o mordomo Robert e tudo perde a graça. Mesmo que fosse assim, será que todos os livros são mesmo assim? Sem nenhuma experiência de leitura do começo, miolo e fim? Nada se salva de novo, engraçado, suspeito, erótico ou levemente divertido? Tenho minhas dúvidas.
E, enquanto faço essa experimentação, saboreio outros títulos que me veem hora e outra e, claro, se quiser me indicar algo, sinta-se à vontade.
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