Arte heads in clouds por @chantal_horeis |
Sim, eu quero ser a diferentona. Quero ser a espertona, sabichona, gostosona e fodona. Eu quero ser tudo isso que você fala com ênfase de pessoa nojenta e invejosa. Um veneno esguichado por palavras comparativamente medíocre.
Ôcre, foi esta palavra que usei para determinar o tom de alaranjado no mapa gráfico. Todas olharam para mim com desdém. Já conheço esse semblante. Isso significa que elas se sentem inferiorizadas pelo meu conhecimento. Elas repetem a palavra que desconhecem em tom bem característico, você conhece qual.
Sempre foi assim. Em casa, na escola, na rua, e agora no trabalho. Ninguém gosta de gente inteligente por perto, ao menos não por muito tempo. Aqui, foram quase 36 horas até começarem a me odiar.
Não digo ódio como o extremo oposto do amor, claro que não, é só uma intensificação literária para o resumo de desprezo, desgosto e apatia que elas geram em si ao me ver. É notório que não sou bem-vinda aqui. Era assim em casa quando eu era pequena, os mesmos semblantes. Apanhava dos meus irmãos mais velhos, dos meus pais, dos vizinhos e dos familiares. Sempre que eu falava ou perguntava algo que eles não gostavam ou não sabiam o que significava. Ela está zombando de mim?Sempre era uma surra.
A gente aprende o que é dor, a suportar a dor, a não chorar ainda que você tenha que ir sozinha ao posto de saúde mais próximo após uma surra do seu pai por corrigi-lo enquanto falava mal do prefeito na televisão. A gente aprende a guardar a dor, bem, foi isso que eu aprendi depois de ficar três dias hospitalizada curando a hemorragia dos meus rins. Sim, fui atropelada.
Eles não sabem que o ônibus que me atropelou veio aqui saber o que eu tinha dito. Depois de confirmada simulação, foi para casa ou ao bar continuar bebendo. Alcoólatra a palavra.
Guardei a dor desses dias de casa, as dores da escola, da vizinhança até que consegui um emprego durante a faculdade e fugi de casa. Literalmente fugi, não disse para onde ia, com quem ou se voltava. Eles nem sabem que eu fiz o teste para faculdade. Só deixei um recado na porta da geladeira "obrigado e adeus".
Ôcre, foi esta a palavra que o médico falou que estava a cor de minha urina por conta do sangue dos rins. Algumas coisas nos marcam para sempre. E sim, vou continuar com o meu trabalho, afinal de contas, é com ele que eu pago a minha terapia psicológica que me mantem aqui, firme e forte.
Foi através dela, primeiro de um modo gratuito e comunitário, que aprendi o que era violência e que a culpa não era minha. Não na família, não na escola, tampouco na vizinhança. A culpa nunca foi minha. Esse peso que deixei para trás pouco-a-pouco, os quilos de culpa que escorriam face após cada sessão falando sobre mim, sobre as coisas, sobre tudo.
Sim, eu quero ser a diferentona. Quero ser aquela que carrega um livro consigo para todo canto, que aprecia o folhear nos dedos enquanto você dá like. Não é uma competição, é uma satisfação. Uma satisfação imensa de que eu simplesmente posso olhar ao redor e não precisar mostrar algo que não sou. Aos poucos, se elas quiserem, vão perceber que eu só sou mais uma garota que quer ser feliz, que sofreu um bocado, que gosta de aprender e que não quer o sol de ninguém.
É um trabalho em equipe, não é uma competição. Repito isso sempre que surge o silêncio ensurdecedor após a apresentação de material. Algumas passam a entender, outras são resistentes. Será que isso será o suficiente? Nunca saberemos.
Estarei aqui, aprendendo e ensinando gentilmente, porque esse é o meu trabalho e, principalmente, porque pode melhorar o mundo em que quero viver.
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