Vejo o suor escorrer vagarosamente, como lava de um vulcão em erupção. Ela se demora e se derrama como se reclamasse aquele território para ele. Suor. É isso o que eu vejo nas manhãs de frio. Nas janelas. O calor que aqui figura é algo que apenas é sentido quando se trocado, de dentro para fora ou de fora para dentro. Ameaço o suor com o indicador, desenho um rosto feliz. Smile. Mas não sorrio, não mais. É assim quase todas as manhãs agora, quando a temperatura cai drasticamente na madrugada, quando a hora se torna mais escura antes do amanhecer. Não há pássaros cantando, buzinas, ar condicionado ou um assobio se quer. As manhãs são acordadas pela diminuta vontade pecaminosa de sair das cobertas.
Falando com palavras hostis de quem não quer sair por rua abaixo, deixo aqui meu aviso de que hoje será outro dia daqueles. Me preparo, alongo, desjejuo, vejo as notícias, tomo algo quente, como algo frio, banho em vapor, roupas e mais roupas para o corpo não se esfriar, eletrônicos na mochila, cadarços amarrados, o titilins das chaves já anunciam o próximo alvo. A serpente de ar já me mordisca sem piedade. Oito graus, o sol nem tenta sair, mas já vamos ao trabalho. Pessoas já transitam nas ruas, calçadas com rodas e pés, com patas e folhas varridas. Destranco, ajeito, impulsiono e vou. O equilíbrio é algo nato, pouquinho pra lá e pouquinho para cá. Vou sem culpa, descendo pela via. A touca aperta os fones de ouvido, a garganta tenta pigarrear para o próximo "bom dia", mas é só lá na chegada que todos se afeiçoam. Corro contra o tempo, contra o vento, contra a música. Ela atordoa a visão com força, me faz pensar, me faz observar os detalhes. O ânimo é apenas se tiver um motivo, um motivo. Os carros da avenida se vão, feito um caminhão de gás, são vários, indo e vindo, carros, motos, bicicletas. Freio. A travessia da avenida é sempre minha preferida, pois é colocar o corpo na faixa e todos param, motorista acena, "bom dia", sorrisos, acenos, aceleração.
Ouço sempre um álbum na ida. Cícero, Rubel, Engenheiros, Kid Abelha, sempre algo que me faça balbuciar como se a minha vida dependesse daquele refrão. Observo a rua. Uma rua só minha agora. A ciclovia escoa nas duas quinas, as esquinas são floridas, montes de flores azuis ou amarelas tentam engolir toda a calçada. A ladeira está ficando mais ingrime, sinto o frio do lago chegando, mais frio. A respiração aqui dói um pouco, o nariz escorre rápido, mas logo pára. O sol resplandece, bom dia amigas capivaras, digo sorrindo para as duas amigas da manhã de sol fraco. Força mais algumas vezes. O caminho é sempre o mesmo e bem simples, bem pertinho na verdade. Às vezes, vou tão empolgado no cantarolar que esqueço de ver as árvores dançando com a melodia, não vejo as crianças brincando na frente da escola, não ouço os pássaros que já alimentam os filhotes nas calhas das casas de madeira. Hoje, como quase nunca, estou bem adiantado, paro um instante, tiro uma foto e concordo "eu não vim até aqui para desistir agora", se depender de mim eu vou até o fim. O percurso já se completa, estaciono, ponho o cadeado, e começo a me despir, primeiro as mãos, depois a cabeça, por ultimo, sempre por ultimo até o quanto dá, os ouvidos. No bolso mais uma trilha sonora de um lugar qualquer, tão rico, tão bonito e tão querido. Em pensar que na volta é tudo tão diferente... na volta.
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