O holograma de ontem sorri, dá uma piscadela e me convida a segui-lo. Iremos almoçar. O holograma vai sozinho, acompanha em silêncio se eu estiver para o silêncio, acompanha em conversa se eu estiver para conversa, acompanha sempre aos cuidados de. O holograma é um fantasma que aparece durante todo o meu dia. É um exercício resolvido ao som de Pearl Jam, uma ida ao Shopping para ver cartas do Pokemon, é um parceiro calado. O Holograma era você, e toda sua feição em me fazer bem. Sei de tudo isso porque eu vivo Rhye - The Fall: as nuances, os movimentos, e a melodia da madrugada.
A melodia se estende por muito. Ouço as mesmas músicas, nas mesmas condições. Ultraviolence quando triste, MDNA quando em dias de sol, várias playlists específicas para cada momento. O banho antes de sair de casa é programado, o banheiro que nunca usei é evitado, a praia é jurada em visita, os dedos nunca mais se entrelaçam. A madrugada também traz algo que açoita o sono, ela amargura mais que o preto que aquece os lábios. A escuridão transborda fulgurante por entre as paredes, e você nunca vai entender o porquê das coisas.
Já se perguntou hoje os motivos que te guiam? Onde quer chegar daqui a pouco?
Eu deixei de fazê-lo por aceitar a derrota. Planejar um universo de possibilidades é algo que ninguém mais faz. Hoje tratamos o dia como ultimo, menos um dia, mais uma conta para pagar. Querer é algo problemático, pois traz certas incertezas que tem frustração certa. É como comprar um livro e não lê-lo porque está embalado em plástico. São besteiras que dificultam o dia, bobagens alienadas do mundano e ridiculamente compartilhada.
Ouço os risos deles novamente, acredito que seja sobre a lata na mão, a lata ainda fechada e já quente. A lata que eu pedi discretamente que abrissem e logo eu fora ignorado. Dizer que eu não quero mais já passou da validade. Mais um momento de ridicularização que massacra qualquer vontade de socializar. Volto a estaca 0. Agora protegido, tento sublinhar este dia como um dia produtivo para o vazio. Alimento os peixes do aquário que coleciono. Tenho um novo em folha para se preencher com as lágrimas que descem sem perceber. O cascalho no fundo é todo reluzente, são pedaços importados dos sonhos que deixei quebrar por não mais acreditar que era possível.
Essa semana me convidaram para ser alguém, quando cheguei lá vi que era o local certo na hora errada. As luzes eram de uma cor vibrante, as pessoas com aspectos estranhos para um panteão. Diminuto pela pobreza de estilo, voltei por um momento. O holograma estava ali, você não, mas o holograma sim. Ele me olhou com senso de propósito, e com a aura do não-julgar, me disse: Você não precisa estar aqui se não quiser, mas se quiser, eu também estarei aqui.
Sabe, caminhei até a primeira ruela e fiquei ali esperando a chuva cair. Não demorou muito até tudo se derramar. Quando você está na chuva, as pessoas não saberão se você está chorando ou não, porque tudo se derrama feito lava, e como tal, abre-se um caminho devastador até que ela se resfria e pára. Ninguém ousou me questionar pelo banho de chuva, ninguém se importa com a chuva até que precise fazê-lo. E, por isso, releio as letras em neon, gravo-as na memória para outra hora. Uma hora em que talvez eu volte a acreditar que posso ser alguém.
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