quinta-feira, 25 de março de 2021

(In)Competência

 

Imagem por @brianchorski


Era uma questão de tempo quando ele veio se redimir outra vez. É sempre sobre escolhas, família, amores e sonhos, que no fim das contas, vão por água abaixo. O estopim do desmoronar da sólida relação ao estilo wreking ball (Miley Cyrus, 2013) foi o despedaçar do sonho, do teu sonho. Quando conversamos sobre sua projeção em ser o novo namorado, a persona virtual no Instagram pelos nove mil seguidores, a projeção na relação dele com a mãe, e a reflexão sobre cursar o curso que ele faz, nada disso me fez chutar o ultimo tijolo do que chamávamos de amizade. Veio mesmo no convencimento de que ir atrás de um sonho é perda de tempo. Que a vida é injusta demais com os bons e que tudo o que fizerdes, por mais forças que tenhas, nada disso iria adiantar na tua jornada. Foi então, neste exato momento, onde você escolheu usar disto para justificar um amor que não existia, que tudo apagou em mim.

Engraçado, fico sorrindo ao lembrar que as pessoas ao meu redor já desistiram de ti faz muito tempo. Elas sempre me diziam que você não merecia tanta atenção assim, que tudo na tua vida é um engavetamento frenético de péssimas escolhas onde tudo se justifica para que você possa não se afoga em si, nas próprias mazelas de rancor por não ter sido amado como achas que deverias. Eles até têm razão, sabe? A questão é que eu ainda gostava das nossas conversas engraçadas, seus atos falhos com vocabulário, suas frases desconexas e prolixas, os sonhos de cinema e audiovisual que tanto te empolgava, tudo isso me deixava alimentado de que tu merecias meu apoio, e por mais que eu não tivesse nada para te oferecer, você ainda aceitava minha presença.

Sabe, eu pensei muito nessa relação de pai e filho ao qual uma vez foi me apontado e, por um segundo, eu me senti tentando controlar tua vida. Dando ordens de estudos, atividades e, até mesmo, como e quem você deveria amar. Não sou pai, irmão ou filho, psiquiatra ou psicólogo, nem neurotípicamente posso dizer que te endento em todo. Então, comecei a esquivar da obrigação de nortear teus pensamentos quando estávamos a dialogar. Talvez, assim, as coisas continuem rumando para um lugar diferente, sem a necessidade de estar certo ou se sentir culpado. Quem sabe?

Dos planos e projetos eu já havia desistido. Uma coisa que eu sempre percebi é que te falta responsabilidade. Sim, sei que parece duro, mas é justamente a palavra que melhor explica o que se passa. De acordo com Oxford Languages, responsabilidade pode ser definido como "obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros", e essa obrigação sempre é massacrada por dizeres como "não pude", "não tive como", "não me deixaram", e nós sabemos que o que faltou foi só a priorização do que realmente importava. Essa doença de ser sempre ávido a responder a família que te suga tanto, de ser benevolente aos problemas dos outros, a gente sabe que tudo isso é autossabotagem. Convenhamos. Alguns momentos podemos até dar o privilégio de dizer que o prazo não fora cumprido por este ou outro motivos, isso com uma escala grande de tempo entre eles. Agora me dizer que todas, TODAS, as tuas coisas não podem ser cumpridas porque sempre algo te obriga a fazê-lo. Isso sabemos que é impossível. Uma porque podemos sempre escolher o que fazer ou não fazer, ainda que fiquem chateados conosco, decepcionados ou até mesmo nos odiando para sempre, mas são nossas escolhas; segundo que se há um prazo a ser cumprido, não se fode deixar para o ultimo momento para fazê-lo, isso se chama irresponsabilidade. Ainda que me diga que és brasileiro e que tudo se faz assim, o nome continua sendo irresponsabilidade. Tanto que se você não cumprir certos prazos, terás uma consequência terrível, seja uma multa por renovação documental ou até mesmo a perda de um edital. 

Talvez o problema não seja a obrigação, mas a consequência. Quando se é para falhar com algo que te traz prejuízo, sabes correr atrás. É uma entrevista, um boleto, um exame. Quando é um projeto com um amigo, como o amigo sempre vai estar lá para ti, daí vem as desculpinhas: é a garganta, a coluna, o gato que passou mal, a mãe que brigou o dia todo, as tias que pedem favores irremediáveis, o carro que bateram, a internet que caiu... e tudo isso acontecendo a toda hora e todo momento. Pode me chamar de insensível, agora te pergunto: isso também acontecia quando você namorava e morria de amores pelo 9-mil-seguidores? Porque não consigo vê-lo ficando de lado por tanto tempo aceitando essas condições, arrisco dizer que tenho certeza, CERTEZA, que a prioridade era dada a ele e não as coisas que poderiam se resolver sozinhas ou nem resolver.

É que, no final do dia, quando quiser conversar eu vou estar aqui, pois decidi ser teu amigo. Não é?

Era.

Hoje, imagino que deixo outra pessoa que precisa e quer ajuda seguir o caminho dela, pois tu se tornas responsável por tudo aquilo que cativas, e mais uma vez, a feição acabou. Hoje somos estranhos que se conhecem. Desejo infinitamente que as coisas melhorem pra ti, tua família e coisas que te acontecem, que o amor verdadeiro te consuma e te derrame do jeito que queira e mereça, que a terapia te ajude a descansar essa busca por aprovação e afeto que tanto buscas desesperadamente, ainda que em tempos de pandemia massacrante do genocida medíocre e que, quem sabe, nos esbarremos no futuro para uma conversa e outra e decidamos juntos reconstruir esse castelo.


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