segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Adianta falar?

 

Foto por @wilma_arts

Começamos um novo ano em meio de uma pandemia, a maior deste novo milênio talvez? Quem diria que algo tão pequeno poderia nos tirar o sono, a vida e até mesmo a esperança de um mundo melhor?

É virada de ano, e claro, estou com aquela desesperança contínua na humanidade. O mundo dos anônimos atônitos está cheia de festa, de gente, de música e álcool. Aglomeração generalizada. Porque é amor. É fim de ano, tem que abraçar os queridos, a família, os de longe e os de perto. Passamos por um ano desgraçador e conseguimos sobreviver. Isso mesmo, apenas sobreviver, porque temos Deus, porque temos sorte, porque apenas não era nossa hora somada aos coquetel de remédios dado pela ciência. Aconteceu o pior de tudo, o descaso com saúde pública, a mesquinhes do burguês. Fomos de um carnaval meio assim até o fim do papel higiênico na prateleira. Gente perdendo emprego pela crise, pela má fé, pelo caos que é não ter um fluxo de caixa. Os leitos do SUS sendo leiloado e o do privado sendo surrupiado.

É... fomos de um grande problema para um problema imenso. Aí, depois de tanta lamentação, depois de tanto sufoco, tantas lágrimas e febre, cá estamos. Contamos os últimos segundos deste ano merda. Sei que aconteceu muita coisa boa, óbvio que aconteceu, mas para mim nenhuma notícia é boa e tão suficiente para não ser esmagado pelos mais de 196 mil mortos no tempo desta postagem.

Eu consigo ignorar tudo o que acontece lá fora, porque tenho o medo de morrer e o imenso privilégio de poder ficar em casa. Controlar a ansiedade e a insanidade de não socializar foi difícil, e tão possível quanto escolher qual novo hobby investir para cultivar bons pensamentos. Atentar aos detalhes simples da vida, respirar, ouvir os pássaros, rir com risadas do vozerio, tomar o sol com meditação, a meditação, fazer comidas novas, fotos e filmes, e tantas, mas tantas coisas bobas, pequenas e simples que contornavam tantas horas do meu dia.

Os podcasts foram meus amigos de horas seguidas e pessoas foram amigas por seguidas horas. A vida aconteceu por lá, sim, e muito. Foi uma saga acompanhar como telespectador comentarista, dando uma de psicoamigo das horas ruins e compartilhador de coisas boas. Só que hoje, nessa virada de ano tão repugnante, é válido frisar que boa parte dessas idas e vindas como coadjuvante apenas é desapontador. 

Não é mágoa, tristeza ou decepção. É um mix dessas sensações de disforia e empatia subjugada. Conceituo "público" aquilo que é de bem comum a todos, e saúde pública como ramo específico que cuida dos fisioquímicos que melhoram e/ou pioram nosso bem estar biossocial. Visto isso, através dessa varanda, sei que muitas dessas pessoas que não se importam com a pandemia ou deixaram de se importar quando passaram pela infecção, já não presam pela saúde pública. O que importa é o carpe diem, viver o agora, YOLO (you only live once), Deus no comando.

Eles daqui, os seguidores do presidente, não são tão diferentes dos conhecidos de lá, os militantes de internet. Porque sei que quando o assunto é sair de casa existe uma lista imensurável para justificar a máxima "é para minha saúde mental". E isso machuca. Não machuca como um crime real, e sim como um peso na desesperança. O que me passa em mente é: você realmente está dizendo que comer sushi com o namorado numa quarta-feira com 10 amigos, tirar muitas fotos juntos, gravar stories é para sua saúde mental? Que no final das coisas estavam todos com máscara (ou no queixo ou no bolso)? 

Tenho problemas reais nos pulmões. Cicatrizes profundas de derrames e tuberculose, asma e bronquite, sinusite e pressão alta. Autismo e ansiedade. 

Quando me chegam essa máxima de "é para minha saúde mental" depois de ver a semana toda as fotos e microvídeos de praia, cachoeiras, shopping, passeios, amigos, famílias, como se fosse 2019 e anterior. Como se as ruas não fossem uma bomba viral, como se o grande inimigo da humanidade não fosse a desumanidade egoísta do só se vive o agora. 

Estou realmente vivendo o isolamento social.
Não pelas paredes que me riscam a solidão, mas através das pessoas próximas que me sonham em leito de hospital ou em caixão a sete palmos, esses sonhos que elas sequer lembram porque dão em troca pela "minha saúde mental."

Respiro fundo.
Feliz ano novo digo para o céu. Porque você sabe o que está fazendo errado, você sabe o risco que é fazer tudo isso, você escolhe baseado nisso e naquilo, e no fim das contas o outro é só o outro.
Foda-se a vida.  

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