quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Corais

Art by Mercywise

Chegamos e é sempre a mesma sensação. Do alto vemos a barreira de corais protegendo o beira-mar das grandes ondas. Maré alta explode espuma no ribombar da corrente, um show espetacular visto daqui, do alto. Procuramos um lugar para ficar, na areia, onde tudo acontece.
As escadas de pedras são as de sempre, polvilhadas de areia branca e fofa, os grande tapete se estende pela praia inteira. Uma grande margem nostálgica. Foi aqui que declarei que estava indo, foi aqui que vi o mar pela ultima vez, a ultima em que senti a areia entrar entre os meus dedos dos pés, senti as gotículas salgadas borrifadas no rosto, vi o emaranhado de coqueiros costurando minha visão do céu.
De pé ouço o mar, os ventos, as crianças rindo, pessoas conversando, música ao longe. De pé ouço a praia, respiro o mar, vejo o oceano infinito. O cheiro é o mesmo daquele sonho, o vento que carrega o sal também é o mesmo, hidrato os lábios com a própria língua e trago a memória. Revejo ela de biquíni rindo para mim, o sol de sete da manhã nos glorificando, o sorriso dela me convidado para mergulhando, o "hein" com sotaque me agarra, ela aponta para as crianças, com roupa de praia brincam na areia, maravilhadas. Não foi real, não podia ser. Acordei com o cheiro do mar, com o gosto do sal. Hoje eu revejo esta lembrança, pois as sensações são as mesmas, mas vocês não estão aqui. Ele está. 
E com ele relembro o ultimo dia. Vejo a sereia no encarando ali na frente. Vejo a árvore dos corais ali do outro lado, parece que nunca saí daqui. Os muros de grandes e luxuosos prédios começam a dominam os limites da paisagem, e isso não existia quando parti. Aos poucos sei que esse lugar não será mais como antes, talvez até não pelas pessoas de sempre, mas sim pelas pessoas do futuro.
Ao entrar na água morna sinto a corrente. A sensação de mar é algo que não dá para descrever. A água gelada conforta o sol forte, não tem muita gente tomando banho, a praia perfeita é esta aqui. Perfeita porque é linda, tem confortos de quiosques, não tem barulho estarrecedor, os rostos são agradáveis e fáceis de ler, a água é transparente como sempre, sem pedras no fundo, com peixes ao redor. Mergulho. O som do infinito parece que me envolve em placenta, ouvir as ondas no submerso me faz flutuar, me faz mais leve, me faz não existir por segundos. E não ser nada por um momento é relaxante, nada existe, só o som da água, um sulco gástrico natural e não corrosivo. 
Não sei se há relação com o bombardeio de sal no corpo, mas tomar um banho de mar é algo que modifica, sabe? Não só por todas as sensações do lugar, mas pelo pós. Aquela fadiga marota que se instala quando você chega em casa e toma um banho comum, a gente se descarrega, o sono bate firme, e quando acordamos parece que estamos 300% melhor, mais dispostos. A cor de jambo que fica também nos agrada, uma tatuagem temporária de que aquele dia valeu a pena. 
Se você tiver a oportunidade de ir à praia, faça. Vá e aproveite, mas não como alguns costumam fazer, usando o lugar como um bar. Use como um spa, faça questão de pisar na areia, cavar com as mãos, sentar sem compromisso com o tempo, chutar as ondas que desistem de dominar a areia, coletar as conchas que polvilham a margem, admirar os peixinhos que correm livres pela água translúcida, fotografe o horizonte encabeçados por coqueiros... admire a natureza. Sem soberba. Contemple um dia qualquer sem precisar comparar com os outros dias, sem ter a necessidade de mostrar as outras pessoas que seu dia está melhor do que o delas, sem querer mostrar ao universo que você está tomando uma piña colada. Apenas vá e aproveite, esqueça o mundo concreto e permaneça neste paraíso artificial que é um dia de praia sem se importar com nada, apenas com você e o mar. 

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