MEU MANIFESTO PELA IGUALDADE: SOBRE SER TRAVESTI E TER SIDO APROVADA EM UMA UNIVERSIDADE FEDERAL.
Hoje, eu tive minha sobrancelha raspada por minha mãe, emocionada
por eu ter sido a primeira pessoa de minha família a ser aprovada na
Universidade Federal de Pernambuco. O que pra ela é uma realização
pessoal de mãe que, diga-se de passagem, sempre me incentivou a estudar,
para mim, uma travesti negra, é uma conquista com imenso valor
simbólico.
Desde muito
cedo, o âmbito educacional deixou o mais explicito possível suas
dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6
anos, desejando ser a Power Range Rosa , aos 13 usando lenços na cabeça,
aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de
minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida. Nenhuma foi levado a
sério como algo que eu, enquanto um ser humano, preciso daquilo para me
construir e ter minha subjetividade.
Se ontem a professora tirou a boneca de minha mão, hoje o Reitor diz não ter demanda para meu nome social.
Eu existo! Nós existimos!
As violências por conta de minha identidade sempre trouxeram
retaliações em salas, corredores e banheiros durante toda minha
permanência na escola. Lembro-me de, inúmeras vezes, minhas amigas
entrando em rodas feitas por rapazes para me bater e tentarem me salvar.
‘’Para com isso! Deixa ela!’’
Não era só comigo, mas fui a única
que aguentei. Vi, de pouco em pouco, outras possíveis travestis e
transexuais desaparecendo daquele ambiente, porque ele nunca simbolizou
um espaço de acolhimento, educação e aprendizagem. Mas sim de opressão,
dor e rejeição.
Uma vez encontrei na rua com uma das que
estudou comigo. Eu voltava do curso, ela ia se prostituir. ‘’Mulher, o
que tu ainda faz em lugares desse?’’, ela me perguntou. Indignada,
aliás. Ela me questionava com a testa franzida porque eu insistia em
permanecer em um lugar que, cada vez mais, desmarcava que eu não era
bem-vinda. Quando fui?
Os banheiros femininos estão com as
portas fechadas, o nome nas cadernetas não pode ser alterado e os
olhares de escárnio estão por todas as partes. De corredor à sala, de
banheiro à secretaria.
‘’O que ela faz aqui?’’, se perguntam
diariamente ao me ver andando na luz do dia. Afinal, eu, enquanto
travesti, devo ser uma figura noturna. Assim, sedimentando a posição que
a sociedade me atribuiu: de sub-humana. E quando falo isso, meus
queridos, estou sendo o mais honesta que posso.
Olhe ao seu redor! Quantas travestis e mulheres trans você se depara no seu dia a dia? Quantas estão na sua sala de aula? Quantas te atendem no supermercado? Quantas são suas médicas?
Olhe ao seu redor! Quantas travestis e mulheres trans você se depara no seu dia a dia? Quantas estão na sua sala de aula? Quantas te atendem no supermercado? Quantas são suas médicas?
Espere até as 23hrs. Procure a avenida
mais próxima. As encontrará. Porque lá, embaixo do poste clareando a rua
escura, é onde nós fomos condicionadas a estar por uma sociedade
internalizadamente transfóbica.
Quando vi minha aprovação, foi
uma alegria por eu ter tido uma conquista, mas para além disso, eu tive a
consciência de forma imediata, que dentro de minhas perspectivas de
vida, ver uma pessoa como eu em um espaço acadêmico é algo utópico. Até
quando será? Até quando minhas irmãs irão ter que ser submetidas a essas
condições de vida?
Sem moradia, sem estudo, sem trabalho. Se prostituindo por 20 reais.
Onde está a dignidade?
Não somos iguais. Eu, travesti, não sou igual a você. Eu, travesti,
além de ter batalhado por minha entrada, a partir de agora irei batalhar
por minha permanência.
Optei por Pedagogia com a esperança de
poder ser um diferencial. De finalmente pautar a busca por uma educação
que nos liberta e não mais nos acorrente.
A escolha é apenas uma: lutar ou lutar. E eu, Maria Clara Araújo, escolhi ser um símbolo de força.
A revolução será travesti!
Oi K, tudo bem?
ResponderExcluirNossa, preciso dizer que adorei o desabafo dessa moça? Nem preciso né? Quando vemos essas coisas, a primeira coisa que tenho é orgulho. Orgulho porque as pessoas "diferentes" estão lutando pelos seus direitos e pela permanência na sociedade. Depois eu tenho vergonha. Vergonha da nossa sociedade, que gosta de impor as coisas e que não aceita bem as diferenças. Mas sabe o que eu acho engraçado de verdade? É que o mesmo ser que bateu em uma pessoa nessa condição, é o mesmo que sai as ruas e paga 20,00 R$ para ter uma na cama. Sério, cadê o sentido nisso? As vezes (e isso é quase sempre), tenho vergonha de ser humana.
Beijoos K