sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Ticket


 O ferro está gelado, acho que é pela noite que também caiu fria. O vapor das narinas dá um ar romântico nesta noite de primavera, vejo os casais comprando balões, chocolates, se abraçando, beijando. Deve ser o clima de dia dos namorados, sim, deve ser isso. Continuo com meu cigarro, o apoio de ferro de uma das filas continua frio, mas não ligo, sei que ninguém irá me incomodar aqui.  

Nessa pausa entre um brinquedo e outro, me vejo lembrando do dia em que chegou meu bilhete, meu golden ticket. Aquele bilhete premiado me dava a liberdade de experimentar todas as relações da vida, bastaria aguardar a minha vez e, finalmente, eu estaria me divertindo.
 Nossa! No começo era tão legal, tão maravilhosamente incrível que tudo me chamava atenção. Todas aquelas luzes coloridas, objetos girando, músicas hipnóticas e repetitivas... Eu corria sempre pra fila dos brinquedos mais radicais, aqueles que eram velozes, aqueles que nos viravam de ponta-a-cabeça, aqueles que giravam e giravam e giravam e giravam... Fui na maioria, me diverti muito, tive muita dor de cabeça, ânsia e tontura, mas isso tudo é normal quando se experimenta emoções bruscas. 
 Tentei ainda ir naqueles mais tranquilos, os que possuem interações maiores, os que se chocam entre si, aqueles que apenas nos faz subir lá no alto de forma dificultosa e descer escorregando, dando um frio gostoso na barriga. Os mais tranquilos também eram rápidos.
 Depois de um tempo no parque de diversões, assistindo todos se divertindo, me dei conta que aquilo era tedioso e enfadonho. Chega uma hora que cansa. Chega um momento que você tem que comer alguma coisa, parar para respirar um pouco, dançar sozinho, rir de si mesmo, se aventurar pelo próprio espírito, sempre chega esse momento do individual. 
 Meu cigarro acabou tão rápido, passo as mãos sobre os bolsos na expectativa de mais um, droga! Era o último. Bem, agora eu fico aqui sozinho no frio, ou posso ir mais uma vez em algum brinquedo. Deixe me ver...
 Não quero ir naqueles que só me dão segundos de alegria e logo outro estará no meu lugar, não estou nessas de aventuras radicais por uma noite qualquer. Não sinto mais o frio na barriga depois de saber como é a emoção de um looping, de saber como é soltar as barras de proteção e quase ser jogado longe, já não palpita forte o coração quando fico de cabeça para baixo por muito tempo. Bem, acho que esse é o problema, é tudo muito previsível. Começam dando expectativas incríveis, nos fazem subir e descer, aquela sensação de borboletas, e do nada, acabam, terminam, o tempo passa. Soa um alarme de que é hora de outras pessoas se divertirem. 
 Os brinquedos mais lentos são procurados geralmente pelos mais velhos, pelas mulheres também, geralmente nos mostram algo que não seria possível ver. São horizontes possíveis, não imagens retorcidas de nós mesmos, são pessoas conflitando entre si, se batendo e batendo em si, são perspectivas que não dão calafrio ou tensão na fila. Tem uma surpresa boa nisso tudo, tem aquilo que a lembrança gosta de sustentar em noites frias como essa.
 Eu acabei de ir na montanha-russa. Era legal essa nova, parecia tranquila, mas tinhas seus altos e baixos, não era tão veloz, mas tinha uma velocidade que jogava o vento no rosto e arrancava risadas, passava por uns túneis e na hora eu ficava desorientado, fiquei assim várias vezes, estou assim até agora. Você até vê ela de forma gigantesca, mas para mim ela acabou ali, em poucos segundos, acho até que ela estava em teste. Sabe, naqueles eventos específicos do ano em que só pode ter um pouco, nunca muito, porque ele não está pronto, não está 100%? Pois é.

 Cá estou eu, batendo uma bota, nos engradados que formam a fila, para tirar a lama, vejo as pessoas indo e vindo com emoções diferentes entre os brinquedos. Estou na fila do carrossel, é parado, massivo, sem atrativo algum, mas a música é boa, a velocidade me é tranquilo, não vai pra lugar algum, mas a música me faz sonhar, me faz pensar como seria se eu voltasse naquele dia que recebi o ticket, me faz pensar em tanta coisa que eu já nem quero pensar. Quero seguir para o próximo, achando que será, finalmente, o meu ultimo.

                                   

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