segunda-feira, 22 de abril de 2019

Previsão de Chuva



Você já se pegou imaginando se o clima que nos rodeia refletisse como nos sentimos? Se felizes fizesse um sol caloroso, se tristes fizesse um frio sublime, se raiva trovejasse e tantas outras sensações... 
"Nossa, como escureceu de repente!", disse ela correndo para verificar os céus. As nuvens que se intercalavam eram de um notório acinzentado. Uma flutuação pesada que ameaçava desaguar a qualquer momento. Ventava bastante para acompanhar a sensação de tormenta. Não se ouviram trovões, não se viram raios, não se bebeu chuva.
Se o clima representasse nossas sensações, nossas emoções mais efêmeras, qual seria a previsão para os próximos dias?
Elas torceram aos ver os pompos e cargas d'água, apostaram a quantidade de chuva, checaram a previsão nos smartphones... tudo ensaiadamente pausado. 
A atividade continuava, a cada pergunta um tentativa de toque, um desnecessário movimento intimista do qual eu quase desisti de tudo e corria para casa abdiquei de importar. Preciso estar aqui. Será rude se eu pedir para pará-lo. Não posso ser o esquisito. Sorrio amarelamente, superando a ansiosidade que está surgindo. A concentração é crucial nesses momentos de dissabor. 
Ela fala gloriosamente que é incrível, que é legal, pergunta onde eu estava quando ela precisou... ela fala, ela toca... ela afirma que leu várias teorias, textos, pesquisou isso e aquilo, e toca... Conta que nunca conheceu alguém assim, que ela diz que incrível ser assim, e mais uma vez ela toca. Foco nos movimentos repetitivos, não sei onde estou, talvez no duzentos e três e quatro e cinco e toca. Perco o foco, sinto sua vibração, sua euforia, sua ânsia atônita de me ver sair correndo dali, me provoca, me persegue, me circunda e tenta mais uma vez.
Esquivo, a ventania se debruça nas janelas. Pessoas passam correndo, se agarrando do vendaval. Foco, desisto de contar, só vou trocando e definindo um padrão novamente. Ela se mexe a cada 30 segundos, e a cada 1 minuto e meio ela confere o celular.   
Para quem diz saber muito, não me soa confiante quando quebra a primeira regra fundamental: NÃO TOCAR.
Talvez eu não devesse pensar mais nisso, continuar a mentalização que está tudo bem. As nuvens carregadas continuam sob minha cabeça. Água deve vir. Ser sincero é um dos pontos cruciais de uma relação sem desentendimentos. Espero que não fiquem chateados se eu não ir mais uma vez ou outra quando ficar ansioso demais para chegar lá. De só querer chegar em casa e ver que está tudo do jeito que deve estar. Que estou a salvo de todos, de tudo, dos sons e das incertezas que me corroem.
Fazer palestras de como se sentir a pior pessoa do mundo não me soa um tema nada agradável, como disse à ela. Mas nem adiantava dizer o quanto é ruim ser eu. Para ela, tudo é fantástico, tudo é incrível porque é algo raro de se ver... de tocar.
Não gostaria de fazer palestras motivacionais para o mostrar o fracasso que eu sou. De tudo aquilo que perdi, que deixei de ser, de continuar com medo, das oportunidades irem tão facilmente pelo simples não conseguir dar o próximo passo. Não creio que alguém vai me escutar quando eu falar que a melhor coisa que eu fiz foi emburrecer, quando eu aprendi a ficar calado e não opinar, que a melhor fase da vida eu não fazia nada que me fazia feliz, só seguia o fluxo dos outros. 
Talvez se escrevessem uma biografia isso fosse posto e um ou outro comprasse, mas falar abertamente sobre como ser inútil e deprimente? Acho melhor não. 
Em tempos de coaching de sucessos, com tantos cases e falácias... ver o lado escuro da lua não apetece ninguém. Como ouvi um dia desses "você tem um currículo muito interessante, se expressa bem. Bem bacana", e no final quando fora explicado que eu não ficaria na vaga por não ter experiência em nada, eu sorri e abri meu guarda-chuva para voltar para casa. 


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Periódico


[Guarulhos, fevereiro/19]

Já são quase três da tarde, mas não é tarde. Nunca é tarde, não é? Decido seguir o que ela me disse, me convenceu, me obriga a fazer e... não posso parar. É uma ideia súbita, mas tão minha. Três da tarde, jogo tudo na mochila, tudo o que me faz ficar aqui, nessa condição que todo mundo insiste que eu deixe. Preciso deixar esse lugar, eu não pertenço aqui. Abro a porta e vejo a casa que deixarei. Uma ultima vez, para deixar gravado na memória. Um relance. Eu não vou desistir de ir embora daqui. Não dessa vez. Não tenho nada que me prenda. Não tenho família, amigos, filhos, contas... nada... nem se quer um romance meio enrolado. Eu não tenho exatamente nada. Respiro fundo nesse meu nada. As xícaras na mesinha de centro que ainda estão lá dessa ultima conversa em que você me fez acreditar que eu mereço algo melhor. Ficamos aqui tomando um café maroto por longas horas arrastadas e alongadas, repuxadas tantas e tantas vezes que parecia que estávamos em um inverno tardio do polo norte, onde a noite é onde nasce e morre todo o amor. O café a dois resgatava a sanidade ocupada demais com meu monólogo da pesarosa leveza de ser. Foi tão irritante ter que te convencer que não há qualquer maneira de eu acreditar que eu possa realmente chegar lá, deixar tudo para trás por mero capricho. Você me apontava os quadros na parede. Os quadros! Meus quadros de lugares mais bonitos do mundo. Lugares que nunca fui, que nunca irei. Apontava e falava que eu mereço o mundo. Esse lugar não é o bastante pra mim, que eu devo seguir para casa. Descobrir onde é o meu lugar. 
A vizinha chega fazendo barulho no corredor, já deve ser umas quatro horas. Umas doze horas que você me largou aqui e disse apenas adeus. Como se tivesse o poder de mandar na minha vida, no meu destino, como se eu não fosse discordar ou ao menos pensar sobre. Você acredita mesmo que eu sou capaz de conseguir? Acha que eu posso chegar lá? Do jeito que você me olhava, esperando alguma frase pronta minha... nossa... como isso me machuca, sentia o cheiro da tua expectativa borbulhando em cada pausa prolongada, em cada gole de café. Demorou tanto tempo para eu chegar até aqui, tanta coisa foi destruída no caminho. Ações positivas, emoções nativas e uma desilusão fez alça e eu apenas pus nas costas, tão leve, tão vazio. Um conforto por não ter nada, por não ter... nada. Fecho a porta devagar, caminho para acender uma única luz. Não gosto de deixar as coisas na escuridão, quando se chega em um lugar escuro pode-se ter qualquer tipo de surpresa, boa ou ruim, mas sempre ao acender uma luz tem-se o esplendor mundano.
Já está escuro novamente, pode ser uma sete horas. Você me conhece bem, sabe que eu não vou embora, baixo a mochila novamente, ela cai pesadamente de puro vazio. Vou preparar mais um café, vou olhar as fotos da infância, de rostos conhecidos, de momentos antigos. Vou ver tv por um tempo, ver pessoas que nunca vi, lugares que nunca fui, coisas que já imaginei. Quando não tiver mais nada interessante, vou pegar um livro, caminhar entre linhas, ler outros pensamentos notórios. E, quando eu já estiver cansado disso tudo, quase com sono angustiante, aí você vai chegar.
A caminha toca, já deve ser tarde, atendo e é você. É você que me disse adeus várias horas atrás. Você não sorri, não entristece, é apenas sua feição neutra de visita cotidiana. Ontem conversamos sobre tudo, hoje não quero falar nada. Ofereço um café, você entra, tira o casaco, acomoda-se em uma das poltronas como se fizesse isso organicamente, tudo é ensaiado e suave. Sem tensão, prepara um café a dois, três assopros no quarto de café que pus para mim, cinco ou seis mexidas você dá na xícara para diluir o açúcar, olho, observo e assisto. Sei porque está aqui, falo de maneira brande quase sussurrando, e eu não acho que eu deva ir agora, talvez eu ainda deva ficar por um tempo. 
Já são quase três da manhã, mas não é cedo. Nunca é cedo demais, não é? Sigo a decidir o que disse à ela, convencê-la, obrigá-la a fazer... e posso parar. É uma ideia cultivada, mas tão dela.



Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...