terça-feira, 4 de setembro de 2018

Don't Worry Baby.



Após o quarto badalo é quando nos levantamos, parece que será mais um dia daqueles. Dias de pressa, dias de café preto, dias a mais... dias a menos. Faz tempo desde a ultima vez que nos vimos, lembro do teu cabelo grande e das sardas avançadas, parecia que seríamos jovens para sempre. Quando nos despedimos pela oitava vez, você me fez lembrar James Dean, jogou os quadris para o lado e sorriu levianamente. E assim se foi mais uma vez. Aquele dia também era uma daqueles. Dias que não sabíamos nada de nada, acreditávamos que tudo ia melhorar, que seríamos melhores amanhã, em outro lugar, com outra gente, tudo diferente. Não faz muito tempo quando eu deixei de acreditar nas coisas. E talvez seja por isso que cheguei até onde cheguei, na saída de emergência. Sei que você não sabe metade do que aconteceu comigo depois que atravessou os portões de embarque, também sei que continuas jovem e bela como sempre foi. Don't worry baby, cantava ela, a cidade dormia, as luzes apagadas e nós acordados para o mundo, como naqueles dias.
Agora, vendo tudo isso de cima, mais uma vez, posso perceber que continuamos seguindo a correnteza, seguindo o rio, pode parecer estranhos confirmar que não somos únicos, ímpares ou primos. É que nesta altura da vida, passei a acreditar no que vejo em vez do que sonho. E, por isso, sei que as coisas podem ou não melhorar, que podem ou não piorar, que podem ou não poderem. Pensar sobre as coisas sempre foi o nosso forte e as palavras as portas e janelas. Não se preocupe, bebê, você dizia rodopiando como se fosse cair em cima da cama. A cidade é bem diferente quando vista de cima, e nisso temos certeza depois dos balões, dos aviões e paraquedas. Será que você ainda lembra da música quando vê os pontos luminosos lá em baixo a cada voo? 
Amanhã será um dia daqueles, dias em que acordarei para um ano novo, dias de café preto, manhãs de preguiça e músicas ~Don't worry baby~, tardes de paz, noites a mais, sonhos que não deixaremos para trás. Após o quarto badalo é quando acordamos, sabendo que seremos melhores em tudo. O que todos vão dizer e aonde vão chegar, nem os olhos podem ver...

terça-feira, 31 de julho de 2018

Adágio Invocador



Ninguém está acima do céu e da terra, ninguém é perfeito, tampouco um exemplo de ética, moral e bons costumes desde o nascimento. Ser uma boa pessoa vai além de valores, costumes e religião, há um somatório além disso com índole, vivência e ambiente. Sim, a verdade não é absoluta e eu não estou aqui para dizer, mandar você fazer algo ou até mesmo deixar de fazer, mas obviamente abrir uma interrogação enorme para que você possa refletir.
Mas por que refletir? Pensar em pleno século XXI? Credo, vim aqui para ler textinho indie e agora estou sendo forçado a isso? Então, talvez você esteja alegre por achar que eu fiz algo especial pra ti, embora pareça verdade, fiz exclusivamente como lembrete para minha pessoa. Desculpe-me.
Bom, então por que refletir, por que pensar? Ora, a filosofia antiga já explicava isso lá bem antes de Cristo. Sim meu caro, a vida segue o fluxo mesmo você gostando ou não de filosofia, matemática, botânica... e assim é todos os dias. O mundo não vai parar porque você gosta ou não de uma coisa, se você faz ou não alguma coisa... isso quer dizer que o mundo é um aglomerado de acontecimentos e não exclusivamente uma aventura mental tua onde tudo se responde conforme teu querer. 
O que isso quer dizer? Bom, a filosofia segue uma lógica, é o conhecimento lógico e racional da realidade, ou seja, todo ser pensante consegue chegar nas discussões baseadas nos mesmo fundamentos.  É o entendimento do mundo, das coisas, é o sentimento de justificação da realidade. É você fazendo uma análise crítica sobre os fundamentos de alguma coisa. Em resumo, entenda como filosofar.
Okay, mas onde você quer chegar?
Filosofe, pense sobre as coisas, sobre os fundamentos, argumentos e situações onde ocorrem. Filosofia não é autoajuda ou um vale-tudo intelectual. Nem tudo pode ser respondido com o mero pensar sobre, pra isso existe a ciência. 
Questionar não é ser chato e ficar querendo saber o porquê das coisas a todo momento, saber como tudo é feito ou pra onde vão os animais quando morrem. Questionar é criar uma investigação na tua curiosidade, buscando a verdade. Não a sua verdade, nem algo autoritário, mas sim algo que contemple a verdade essencial, o que pode te deixar sem uma certeza. Sim, às vezes a verdade sobre algo te deixa sem conseguir definir, conceituar ou entender o que se passa, assim, algo que você achava absoluto, acaba por ficar com várias possibilididades.
Nem toda questão filosófica é relevante, do mesmo modo que nem todos assunto nos interessa. E por isso, deixo aqui meus comentários sobre a conversa sobre o FIG2018.
O Festival de Inverno de Garanhuns - FIG, acontece na cidade de mesmo nome no interior de Pernambuco. Sempre no mês de julho, onde faz mais frio por ser mais alto, daí é um modo dos habitantes e turistas experimentarem música ao vivo de diversos gêneros, de modo gratuito. Se você está lendo isso já te aviso que o evento acabou, mas deve se perpetuar em comentários nada inovadores até sei lá quando. O que aconteceu? Para uns um absurdo e para outros (como eu) nada demais. 
Um cantor, que até então nominaram como Johnny Hooker, em seu show no FIG 2018 comentou algo como "Queremos respeito" e "Jesus é travesti". Eu não sei ao certo como isso foi dito e nem se foi apenas isso mesmo, espero que não. E aqui levanto alguns pontos que conversamos sobre durante uma partida de jogo. 
Ela, inconformada com o desrespeito com a religião e com a sua figura de Jesus, disse que ele (J. Hooker) não pode falar aquelas coisas pois é errado falar de religião daquele modo, mancha a imagem do homossexual, pois se querem respeito, logo devem ser os primeiros a respeitar, e que a família tradicional brasileira que já não vê os homossexuais de uma maneira boa, com aquilo acabarão discriminando mais. Dizer que Jesus é travesti é como cuspir na imagem de Buda. Depois de alguns argumentos questionando aquelas idéias, ela mandou um eu não tenho nada contra os homossexuais, tenho até amigos que são, depois dessa máxima a conversa fora assassinada.
Em nenhum momento eu quero impor a minha ideia como verdade absoluta e fujam dessas pessoas caga-regra que a cada dia surge aí e se auto intitulam influencers. 
Daí vocês podem já querer gritar: mas é a opinião delas, você deve respeitar! 
Eu nenhum momento eu desrespeit(ei/o), apenas argumentei as palavras dela para entender qual era a razão dessa revolta, se religiosa, se opressora/oprimida, queria saber onde mora o inconformismo e não simplesmente a boa vontade dela de repetir coisas que já tem um monte na internet de maneira anônima. O que chamamos de "haters".
Meus argumentos foram ofensivos? Será que foi isso? Fico a pensar.

-Ele não pode falar aquilo, é errado.
-Ele falou onde, no show dele ou por aí? (Situação, uma das coisas que ocorrem aqui a todo tempo é a situação do fato, onde, quando e com quem. Baseando-se nessas três perguntas já é possível entender o contexto)
-No show, lá pra todo mundo ouvir.
-Tá, mas você escolheu ir lá no show. Ele pode falar qualquer coisa. (Partindo da lógica do espetáculo, a arte pode induzir certas questões reflexivas, e toda arte tem o dever de transmitir mensagem ao espectador, seja na literatura, música, teatro, cinema, artes plásticas... Além do que, pode ser apenas uma forma de chamar atenção, seja para visibilidade e/ou representatividade ou mero capital. Ele pode falar qualquer coisa, toda apresentação ao vivo é cheia de possibilidades, é tipo ver a Lady Gaga vomitar, Fernando [de Fernando e Sorocaba] tossir ou espirrar)
-Mancha a imagem do homossexual. (Como se a imagem do homossexual já não fosse pura utopia, homens brancos que se cuidam, todos lindos, malhados e ricos, ou feios, efeminados ao extremos e pobre. Já as mulheres, lindas, cabelo liso platinado, vestido curto mostrando a bunda, saltos e cara de atriz pornô trabalhando, ou então masculinizadas, cabelo militar, gordas e caminhoneiras)
-O homossexual, o negro e a mulher já têm a imagem manchada pelo héteros cis, o que ele fala não vai melhorar nem piorar, só vai chamar a questão pro debate.
-Se querem respeito, devem primeiro respeitar.
-A gente não desrespeita ninguém e ainda assim apanhamos durante toda escola, na rua somos xingados, não podemos andar muito junto, imagina de mãos dadas? Nem um selinho porque tem famílias perto, fora que vários relatos e manchetes sobre pessoas "não-gays" que apanharam ou foram hostilizados por apenas parecerem gays, como se tivesse um padrão gayzista que não deve existir e deve ser eliminado. 
-Ah, mas dizer que Jesus é travestir é como cuspir a imagem e Buda, sei lá.
-Okay, mas cuspir uma imagem, de qualquer religião é crime, e ali é um acontecimento artístico e você escolheu ir, não se encaixa aí. Ele não foi pra igreja católica no meio do culto falar. (As comparações em situações distorcidas me lembra muito uma conversa com minha mãe. Ela machista que pregava que a culpa do estupro é da mulher, até que muito que conversamos, uma vez ela parou para pensar com a seguinte situação: Se não existisse roupa no mundo, se todos fossem nús? A culpa ainda seria dela? Minha mãe parou, pensou, e disse que a mulher deve se reservar com outras mulheres para evitar o estupro. E foi aí que eu falei que o problema não é a mulher, a hora que ela está na rua, a roupa que ela veste, ou a voz que ela tem, mas sim a capacidade do homem de ser perigoso para ela. Foi aí que minha mãe percebeu que o problema ali era exclusivamente do homem)
-Eu não tenho nada contra os homossexuais, tenho até amigo que são.
-Mas? Pode continuar porque sempre que alguém começa com esse discurso tem um "mas" bem grande depois que derruba toda essa afirmação positiva. (E foi aí que eu me vi, mais uma vez, triste pela afirmação de peso. Peso? Sim, quando alguém fala algo assim, parece que é um esforço enorme que ela faz pois esse "até" é bem justificado depois. Eu não tenho nada contra, eu até tenho amigos negros, eu até vejo filme sobre, eu até até até... parece que há uma parede intransponível. Mas isso pode até ser algo pessoal, pode não ter algo a ver, porém pela lógica, alguém que realmente tem amigos homossexuais, não fala essa palavra, não é formal numa conversa casual. Chama apenas de gay, de lésbica, de viado ou sapatão. Quando ela usou homossexual numa chamada com três gays e um deles ser um dos amigos dela, ela segregou na hora. Ela montou uma barreira bem comum, como se usar a palavra homossexual demonstrasse respeito para a causa. Sim, numa conversa formal é tido como respeito e tal, mas no informal, é terrível. O amigo gay não se manifestou, ou melhor o amigo homossexual preferiu não se envolver. Pior que isso é ela ter dito que sabe do sofrimento do gay por ela ter um visual mais masculino. Será mesmo que ela sabe o que é ser chamada de sapatão? De apanhar na escola? De ter os olhares dos familiares estranhos? De perder amizades sem nem saber porquê? De ficarem de cochichos na rua sobre a filha sapatão? Será mesmo que um cabelo curto e uma arte marcial medalhista dá tanto sofrimento? Eu nunca vou saber, mas espero que ela não se importe com isso e tente ver apenas o lado bom das coisas, porque é difícil sobreviver em um ambiente hostil, é violento na escola, na rua e dentro de casa. Você não sabe o que tem de errado, só tem 13 anos, só quer ver desenho e brincar com os colegar de coisas comuns, daí vai perdendo os amigos aos poucos porque os irmãos mais velhos dizem que você é doente e riem de você, os pais mandam seus amigos se afastarem de você por seu uma má influência e a vizinhança já está comentando. Você acaba sozinho, passa os dias vendo tv, na escola só anda comas meninas porque os meninos batem em você, xingam você, destroem seus cadernos, comem seu lanche e você não sabe o que tem de errado. Você pergunta em casa e teu pai grita com você, te bate, tua mãe te leva ao psicólogo, você ouve ela chorar todas as noites, eles se perguntam o que fizeram de errado. Você não sabe o que você tem, o que você é. Espero que ela nunca tenha passado por isso.
Dizer que Jesus é travesti é uma analogia para a vida das travestis. Nenhuma travesti morre. NENHUM(A) TRAVESTI MORRE, TODAS SÃO ASSASSINADAS. TODAS.
Travestis não têm escolaridade porque fogem da escola logo cedo, em casa são espancadas e expulsas de casa, acabam na prostituição para tentar sobreviver, tentar mudar o corpo que já não as cabe e querem parar de ser aquilo que todo mundo odeia, quer tentar estar numa forma carnal aceitável para deixarem ela em paz. Travetis são marginalizadas, uma a mais ou uma menos você nunca vai ouvir sobre, no mais saberá que aquela lá da esquina que você passava, ou sumiu ou foi morta. 

Numa postagem de Túlio Barreto, em 30/07/2018, ele diz assim:

Jesus não pode ser negro;
Jesus não pode ser gay;
Jesus não pode ser trans;
Jesus não pode ser mulher.

Jesus só pode ser homem, branco, hétero, cis. Porque tudo mais "ofende" e diminui" a imagem de Jesus. Porque aqui, ser negro, gay, trans ou mulher, é algo ruim, que Jesus "não merece" ser, mas dizem que não é preconceito não, é questão de respeito (?).
Entenda, Jesus não precisa ter características físicas ou ser personificado com o estereótipo de surfista californiano de olhos azuis, Jesus é uma ideia universal de amor ao próximo e caridade com o semelhante, viveu e morreu por isso. Se você não consegue entender isso, você não entende nada de Jesus, só de religião.

E aqui eu ainda adiciono, nem religião. 

Segue o vídeo caso se interesse JH no FIG20018 e para quem quer saber sobre a Renata Carvalho mencionada no vídeo:Renata Carvalho

[TEXTO NÃO FINALIZADO]


sexta-feira, 6 de julho de 2018

Sonorus



 Um dos motivos de ter o diário digital é justamente poder abrir o site e ficar por horas ouvindo música boa. Pra falar a verdade, músicas ótimas. Todavia, não mais consegui manter o player como outrora, sempre fá erro. Daí, encostei o site por motivos práticos e fiquei acalentando meu esmero em ter em outras coisas, inclusive a própria mente. Gostaria que tudo voltasse a ser como antes, mas pouco sei sobre esses htmls da vida, então de logo ficarei ausente e apenas hora e outra testarei algo por esses lados.
 Caso alguém saiba como resolver esse erro, agradecerei de coração. Enquanto isso, fica o link:

terça-feira, 29 de maio de 2018

Vermelho como o esmalte que ela gosta.


Vejo o suor escorrer vagarosamente, como lava de um vulcão em erupção. Ela se demora e se derrama como se reclamasse aquele território para ele. Suor. É isso o que eu vejo nas manhãs de frio. Nas janelas. O calor que aqui figura é algo que apenas é sentido quando se trocado, de dentro para fora ou de fora para dentro. Ameaço o suor com o indicador, desenho um rosto feliz. Smile. Mas não sorrio, não mais. É assim quase todas as manhãs agora, quando a temperatura cai drasticamente na madrugada, quando a hora se torna mais escura antes do amanhecer. Não há pássaros cantando, buzinas, ar condicionado ou um assobio se quer. As manhãs são acordadas pela diminuta vontade pecaminosa de sair das cobertas.
Falando com palavras hostis de quem não quer sair por rua abaixo, deixo aqui meu aviso de que hoje será outro dia daqueles. Me preparo, alongo, desjejuo, vejo as notícias, tomo algo quente, como algo frio, banho em vapor, roupas e mais roupas para o corpo não se esfriar, eletrônicos na mochila, cadarços amarrados, o titilins das chaves já anunciam o próximo alvo. A serpente de ar já me mordisca sem piedade. Oito graus, o sol nem tenta sair, mas já vamos ao trabalho. Pessoas já transitam nas ruas, calçadas com rodas e pés, com patas e folhas varridas. Destranco, ajeito, impulsiono e vou. O equilíbrio é algo nato, pouquinho pra lá e pouquinho para cá. Vou sem culpa, descendo pela via. A touca aperta os fones de ouvido, a garganta tenta pigarrear para o próximo "bom dia", mas é só lá na chegada que todos se afeiçoam. Corro contra o tempo, contra o vento, contra a música. Ela atordoa a visão com força, me faz pensar, me faz observar os detalhes. O ânimo é apenas se tiver um motivo, um motivo. Os carros da avenida se vão, feito um caminhão de gás, são vários, indo e vindo, carros, motos, bicicletas. Freio. A travessia da avenida é sempre minha preferida, pois é colocar o corpo na faixa e todos param, motorista acena, "bom dia", sorrisos, acenos, aceleração. 
Ouço sempre um álbum na ida. Cícero, Rubel, Engenheiros, Kid Abelha, sempre algo que me faça balbuciar como se a minha vida dependesse daquele refrão. Observo a rua. Uma rua só minha agora. A ciclovia escoa nas duas quinas, as esquinas são floridas, montes de flores azuis ou amarelas tentam engolir toda a calçada. A ladeira está ficando mais ingrime, sinto o frio do lago chegando, mais frio. A respiração aqui dói um pouco, o nariz escorre rápido, mas logo pára. O sol resplandece, bom dia amigas capivaras, digo sorrindo para as duas amigas da manhã de sol fraco. Força mais algumas vezes. O caminho é sempre o mesmo e bem simples, bem pertinho na verdade. Às vezes, vou tão empolgado no cantarolar que esqueço de ver as árvores dançando com a melodia, não vejo as crianças brincando na frente da escola, não ouço os pássaros que já alimentam os filhotes nas calhas das casas de madeira. Hoje, como quase nunca, estou bem adiantado, paro um instante, tiro uma foto e concordo "eu não vim até aqui para desistir agora", se depender de mim eu vou até o fim. O percurso já se completa, estaciono, ponho o cadeado, e começo a me despir, primeiro as mãos, depois a cabeça, por ultimo, sempre por ultimo até o quanto dá, os ouvidos. No bolso mais uma trilha sonora de um lugar qualquer, tão rico, tão bonito e tão querido. Em pensar que na volta é tudo tão diferente... na volta.


terça-feira, 3 de abril de 2018

A Pescaria [a isca e o anzol]



 Diário de bordo,[a isca e o anzol] três de abril de outro ano, o mar continua agitado, mas não tão revolto como outrora. A capitã diz que a tempestade passou, mas continua com a cabeça erguida lendo os céus, tocando as ondas com as pontas dos dedos hora e outra, na tentativa de sentir as correntes quentes da boa sorte, nem a brisa ricocheteante em sua face faz ela parar de seguir em frente. Sua visão é firme, para o futuro, seus cabelos ficam soltos e vívidos de uma cor que acentua sua prontidão. [a isca e o anzol] Eu já permaneço sentado, ouvindo o som da maré, a capitã reclama dos joelhos, da coluna, da rigidez dos ossos que permanecem crentes que tudo vai dar certo. Meu trabalho desde o começo é ficar atento à isca e o azol, todos os dias, sempre a isca e o anzol, nada mais. Ela controla o barco, durante os dias e as noites. E mesmo não pegando nada bom por várias tentativas, ela ainda comemora a cada puxada na vara de pescar, a cada rede puxada fortemente de volta à proa, ela comemora. Parece que tudo é novo, mas é só uma repetição. Entendi, depois da primeira noite fria, que tudo tem seu tempo, ela me ensinou com seus atos que devemos ter menos fome de querer, de precisar, de possuir, e assim, racionamos o fogo, a comida, as esperanças. [a isca e o anzol] Me mostrou que a curiosidade nunca é demais, é buscando que conseguimos, que conhecemos, que acabaremos por encontrar nosso próprio caminho. O conhecimento nunca é desperdiçado. O medo é algo real e vivido todos os dias, sem essa de tubarões gigantes inteligentes e assassinos, ela cantou que o medo real está na escuridão, apontou para o mar que era puro breu, não consegui distinguir entre mar e céu, tudo era tensa negritude. E ainda assim, há beleza. Ela aponta para as estrelas, um polvilhado de cintilantes celebrações de que não somos os únicos. [a isca e o anzol] Na alvorada, o neon do sol risca o firmamento ameaçando a marcha das nuvens para um novo dia. Os corais mais coloridos só acontecem quando estamos ao lado de alguém que nos faz bem, caso não, é apenas pedra. Ela me fez pegar um pedaço de coral enquanto estávamos na maré baixa, caminhamos por bancos de areias vendos os peixes, ouriços e mais um monte de criaturas esquisitas e encantadoras que só no mar existe. Sei agora que essas criaturas são os nossos próprios sentimentos em relação aos outros, nem sempre bonito, nem sempre sabemos dizer o que é, mas há uma existência única e majestosa em toda vida presente em nossas vidas. [a isca e o anzol] Ela canta, religiosamente, todas as manhãs, confessa que acredita em sereias e por isso não pode deixar aqueles seres ganharem do canto e beleza dela. "Somos melhores no que somos", afirma ela. Em momento de tédio falamos de todas as coisas, coisas que éramos, coisas que gostávamos, coisas que seríamos... Eu até me aventuro e narro uma história ou outra dessas minhas, ela adora ouvir as palavras de um livro sem final.
 Opa! O anzol foi puxado, acho que pegamos alguma coisa! Capitã! Rápido! Já comemoro a tentativa de fisgar mais uma oportunidade, vibrando em energias positivas... ela puxa uma vez, prende a respiração, cola os cotovelos ao corpo dando mais firmeza, solta a linha, prende-a novamente, espera uns segundos, puxa de leve dedilhando, prende em súbito, solta um pouco, prende novamente, gira o molinete depressa, apoia o peso do corpo em uma perna, franze a testa, puxa a vara, aperta os lábios, continua puxando... Não sei se iremos pegar algo bom, espero que sim. A única coisa certa que sei quando a isca é mordida, é que a Capitã dirá ao final da tentativa: Valeu a pena. [a isca e o anzol]



quinta-feira, 22 de março de 2018

Onde você dorme?


Ela me perguntou desbravando a selva que é este primeiro encontro. Nunca fui bom em diálogos com novas pessoas, porque às vezes é difícil saber quando elas são sarcásticas, engraçadas ou hostis. "Onde você dorme então?", ela me perguntou pela segunda vez, ainda não tinha pensado em como responder sem parecer grosso, então logo falei "No chão". Ela olhou com dúvidas e, claro, seguiu-se por mais e mais perguntas. Dias depois, por caminho mesmo, ela acabou conhecendo tudo, e entendeu, por fim, os motivos que me trouxeram a dormir no chão. Claro, antes de tudo isso, se fosse o caso, ela iria se deparar com e mesma situação. Depois de duas mudanças eu desisti de montar a cama, só dava trabalho e ranger de madeira. Para quem tem o sono leve, qualquer som no silêncio é um trovão. Interessante é observar o quanto nosso mundo íntimo nos soa tão comum, e quando conhecemos os dos outros, acabamos comparando automaticamente, avaliando o quanto gostamos disso e daquilo, desgostando daquele e do outro. Parece razoável te confessar que quanto mais se gosta de alguém, menos valorizamos o campo material, a presença dele/dela se sobressai dos ambientes. Comprovo isso nas festas ruins e pessoas ótimas, de viagens longas e desconfortáveis, mas com pessoas memoráveis e que nos dar um suspiro profundo em imaginar como elas estão agora. Quanto mais você aproveitar as pessoas, mais memórias terão. E nada se compara as fotos e vídeos de uma narrativa de uma pessoa que nos gosta, porque ela vê detalhes que não vemos, ela nos coloca em situações deveras inusitadas, com traços únicos. Aprendo, a cada dia, a valorizar as pessoas, os pequenos dizeres e gestos singulares, porque isto é o que enriquece qualquer relação, inclusive a da saudade. É assim que nunca nos esqueceremos das pessoas que passam por nossas vidas. Faça um teste, pensa no ultimo encontro que teve com familiares, o melhor e o pior, pensa também nos amigos, nos colegas de trabalho e/ou escola, nos estranhos das festas, das conduções, perceba o quanto de vida percorre teu dia e às vezes a gente só ignora, por mero egoísmo cotidiano.  


Blackout


Houve outro blackout, desta vez mais longo. Parece que quando nos falta energia tudo muda, mesmo que por algumas horas, já podemos sentir a diferença. Nosso ritmo desacelera em automático. Por isso, poupe energia. Seria fácil tomar sol todos os dias e continuar em atividade, mas o corpo precisa de diversos tipos de energia, e uma das principais está tão rara quanto um dia de sol sem reclamação. Houve outro blackout, fiquei atordoado quando dei por mim, tudo se apagara de repente, mas como posso terminar se o mundo se apaga? A vida nos espera enquanto estamos no vazio? Usando menos comprimidos, utilizando de mais cores durante o dia, respirando a noite do jeito que se deve fazer. A energia que falta pouco-a-pouco se coleta, é mais difícil do que parece. Fico a pensar nisto depois do apagão, ainda deitado em um gramado, o sol aquece confortavelmente, o vento gelado refresca ao seu passar, assim são algumas tardes da minha vida. Se me pedissem para voltar, logo vos diria que já não lembro o caminho. Ninguém gosta de mudar quando se está bem, quando tudo se faz bem, ao contrário, pedimos que tomem cuidado desses minutos, que se cuidem o quanto podem. A energia  aqui faltou em preguiça, porque tudo ao redor está em pleno vapor. Dá pra ver as lojas, as igrejas, os carros na pista, as crianças no parquinho, os pais em conversas, cachorros em passeios... só quero que você entenda que algumas energias nos faltam, mas sempre podem ser repostas. Lembro desta conversa ao ar livre, caminhando pelo milharal, o céu pigmentado de estrelas pulsantes e o frio desafiador... Levanto preguiçosamente por alguns segundos, desisto e repouso novamente, pois é hora de voltar ao meu apagão. 

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Só mais cindo minutos

 Quando você estiver pronto, comece.
 É assim que as coisas são por enquanto. Um longo dia cheio de coisas que posso fazer sem prestar contas, sem pontuar o relógio, sem rezar por sorte, ou temer o inevitável. Os dias se passam engolidos por possibilidades, e destas já até risquei algumas impossíveis por então. É verdade que devemos nos pressionar para alcançarmos as metas que inventamos quando podamos o novo calendário, entretanto tem algumas coisas que devemos deixar para trás. Não por elas serem impossíveis ou desnecessárias, mas sim, porque temos que nos priorizar. Dar valor ao que realmente pode ser tentando, concluído. Dar esses passos de aceitação é algo perturbador, principalmente quando você chega ao ponto de dizer ao acordar: Hoje eu posso fazer qualquer coisa. E logo mais isso te dá uma descarga de dez mil volts amplificando cada sinapse real e imaginária. Você vê tudo o que pode e não pode realizar, pode ser preguiça, pode ser aventurança, pode ser paixão, pode ser comoção... pode ser qualquer coisa. Então, deixe-se levar pelo o possível, pelo o que você finalizará com tanto contento que te deixará orgulhoso. Que você olhará em tuas mãos aquilo e quererá gritar para todo mundo: Olha! Olha aqui, eu consegui!
 Hoje eu acordei e posso fazer qualquer coisa. Vou dormir mais um pouco e quando acordar, continuarei aquilo ao que fui predestinado. Espero que você goste, pois tudo será diferente.


Mascavo


O açúcar mascavo foi oferecido. Tomei outro gole do café amargo. Café. Depois de quase dois meses sem ingestão desse vício. Parece que as coisas vão se modelando ao original. Hoje, dia do amigo, avisado no fim da tarde, e logo mais saboreado por café e mais sobremesa. O alisado no cãozinho, que se treme, perdura por muito tempo. Ele, junto com outros dois, faz parte da família desses novos amigos. O carteado, o almoço aos domingos, as viagens ao exterior, os exercícios no lago, os jogos no clube... são atividades que são tratadas tão comumente, e agora em grupo, como dessas famílias de grande número de membros que se juntam e passam o dia se atualizando, se firmando o pacto de sociedade escolhida por eles. A terra vermelha é a marca que trago consigo desde dezembro. Nos embalamos em contrapontos, aqui é assim e lá é diferente, o povo, a língua, as comidas e bebidas. Estou em alto mar, em volta tudo é uma imensidão de novo antigos, que se frisam e se fazem diferentes. Comigo vem aquela paixão de entender o diferente, se modelando em plataformas de novo conhecimento. O ingresso para essa nova fase é uma ou duas crianças, mas se você não as tiver, tudo bem, eles compartilham as deles. Churrascos, promoções, compras em grupo, troca de melhores séries e mais experiências de vida. O dia ameaça acabar, mas sinto que isso está apenas começando. Tomo mais um gole dificultado de chá forte com suco. De tudo, me restou apenas o café e a pipoca de conhecido, do restante, tenho muito a aprender. Sei que eles são dispostos porque parecem conosco, são pensadores, trabalhadores e sonhadores. Carregam os paradigmas de que as coisas não são tão simples assim e não tão complicadas assim. A empolgação por risadas são constantes, as piadas tiradas, as malcriadas e até as choradas são bem compreendidas. Como se o novo vínculo fosse uma criança em crescimento que recebe mamar sempre que pede. E claro, este ato não viola o pudor.

O gato curioso


 Observamos o andar das coisas. Foram alguns comentários sobre ser e fazer que acabou desmerecendo minha atenção. Claro, isso soaria soberbo se não fosse o fato, ou melhor a ação fatal, que culminava em derradeiro desmerecer. Quando você começa a trabalhar numa coisa, dizendo que é apenas para hobby ou passar tempo, você não fica guerreando para que todas as pessoas te aprovem. Você só faz. Porque quando se busca aplausos, você que ter a noção que você está trazendo ao mundo, não textos poéticos, fotos abstratas ou músicas sensacionais, não não. Você carrega uma coisa chamada carência. Se torna um marketing forçado ocultado por bons dizeres que até poderiam ter certo sabor, mas pecam quando terminam em "favorita aqui" ou "leia por favor".
 De certo que, às vezes, você até possa fazer algo com intenção de público, mas deixe claro. Ou correrá o risco de ficar marcado como pseudo artista mercenário, que apenas luta pra ter atenção e ser aclamado por pseudo fãs. Acreditará que tudo é fantástico, que sua arte é incrível e que será um profissional competente. Ah, se fosse tão fácil assim. Dedicar-se ao sistema de colaborar com o fictício apenas por prazer é algo sublime.
 Talvez seja melhor continuar alimentando os gatos do que voltar a trazer coisas tão desnecessárias como esse click-bait que queira fazer. Uma ligação ou mensagem querendo conversar é melhor que essas puxadas de ego. Se continuar por esse caminho, será uma dessas pessoas que posta nas redes que tem stories novo só pra ter mais visualizações.
 Não desista das coisas tão facilmente, porém as faça pelo motivo correto. Assim, poderá contemplar algo maior do que queira criar. Algo chamado afeto. E isso é bem melhor que atenção passageira.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Solitária


Era uma tarde como outra qualquer quando terminei de fazer as malas. Tive ajuda até o ultimo minuto. Tiramos fotos para guardar na memória aquele dia em que parti. Aquele dia que eu finalmente segui em frente, segui para onde todos diziam que era o meu lugar. Acenei em despedida para três mulheres: minha Mãe que sente minha falta até agora, a todo momento, como se nunca mais fosse me ver em vida; Ela, que sempre fez tanta coisa, representando a minha vida comum, os meus amigos, de ontem e de hoje, aqueles que passaram por mim e já não se lembram, aqueles também que me desejaram boa sorte nesse novo mundo; e também estava Aquela, que representa todos aqueles que tenho oportunidade de querer bem, de poder guiar e instruir para um futuro melhor. Elas três se despediram de mim de uma maneira um tanto brusca e ao mesmo tempo sutil. Parece que foi ontem que tudo isso aconteceu. Ouvi tanto pelo caminho, tirei fotos pelas estradas, troquei histórias, dinheiro, experiências e boa vibrações até chegar no destino final.
Sim, deixar tudo para trás é como atravessar um portal para outra dimensão. Um acontecimento que só existe em você, mas muda tudo. Muda as pessoas ao redor, muda o tempo, o afeto, as cores do céu e principalmente, muda o futuro. E por esta razão, eu aceitei que era hora de partir. Sempre antes de algo grande acontecer, acontecerá algo de mesma proporção e sentido contrário. Passei por uma derradeira busca por mim, cavando mais e mais uma caverna escura e profunda que é acreditar em si. Já havia desistido das possibilidades, da família, dos trabalhos, desejos e sonhos. Tudo havia sido corroído pelo desdém do dia e da insônia nas noites, sempre aguardando algo acontecer, mas nunca acontecia nada demais, nunca algo realmente importante aparecia, nada verdadeiramente excepcional adentrava o meu mundo. Então, fui morrendo cada vez mais. E o engraçado é que todo mundo via o borrão que era eu. As coisas ficando confusas e esguias, os dias cinzas e sempre úmidos, as risadas demoravam para surgir e rapidamente cessavam. As pessoas em volta sabiam que algo acontecia, mas era normal. É coisa que a gente deve perguntar estupidamente "Tudo bem?", e fingindo se importar responder "okay". Segue a vida, ritmo acelerado, não é possível parar por nada ou por ninguém, ou melhor, a não ser que venha a calhar, até que é possível parar, dar a volta, mas só se valer realmente a pena. Como nunca acontecia, a conversa acabava ali. Nunca evoluía mais que isso.
Claro, a culpa é toda minha. Isso já sei desde os quatorze anos, sempre será culpa minha. Porque quando você tem um problema que, mesmo ignorado, ele não some (porque ignorar é a solução pra tudo, eles acham) você está carregando algo que ninguém quer saber. Quando se tem um problema, é dever exclusivamente seu procurar ajudar. E se não tem essa suposta vontade (mesmo que você tente todo dia, toda hora, em todo seu respirar, mesmo assim) a culpa é sua por querer estar assim.
Só que chega um momento que algo acontece. Bom ou Ruim. Cinquenta por cento pra cada chance. E se você conseguir sobreviver até lá, você pode ter a chance da sua vida. Pode ser uma viagem, um trabalho, um curso, um lugar ou uma pessoa. Pode ser também um animal, uma música ou um filme. Mas esse algo vai mudar você, ou melhor, você atravessará uma barreira que te transportará para uma nova fase, dizem também novo ciclo, mas essa nova dimensão estará tão carregada que você não acreditará de início.
Poderá ter insônia com medo de dormir e acordar naquele dia terrível que custou tanto para passar. Poderá ter receio em telefonemas e outras chamadas, como isso pudesse te levar de volta da Matrix, te deixando num mundo real frio e sem muita esperança.
Aos poucos, tudo vai entrar na nova rotina e você estará acostumado ao novo. Vai olhar para trás e não quererá nada daquilo que passou para chegar aqui. Isso é normal. Por isso, algumas vezes, as pessoas se mudam e nunca mais visitam o lugar de origem. Também pode acontecer de cortar laços afetivos que não mais se encaixam na nova realidade. Tudo pode acontecer, inclusive nada. Nada de coisas antigas, lugares passados, sentimentos guardados, nada de ontem, nada de saudade, nada de pensar na história vivida.
Estou dizendo isso para alertar você, que me lê por agora, que às vezes você pode deixar um bilhete dizendo apenas que já se foi. E tudo o que aconteceu agora será apenas uma memória.
Inclusive essas palavras.

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...