domingo, 1 de outubro de 2017

Olhe para mim!



Olhe para mim.
A dor de cabeça continuava, o frisson do dia escorria pelas entranhas, e assim seguiram os tiques e taques. A cada dia que se vai, está sendo mais difícil manter a concentração. É grito, tiro, motores, buzinas, risadas e mais confusão. Nesta mesma semana eu ainda tentei fazer diferente, como havia prometido, fui comer peixe no almoço. Até que gostaria, estava com uma cara ótima, o cheiro muito atraente, mas era peixe frito. Não sei se por momentos assim é que acontecem atos que desafiam a morte, mas eu fiquei deveras nervoso. Um, porque era fila e dois, porque era peixe. A cada momento que seria a minha vez, me vi com a bandeja em tremedeira, senti os olhos julgadores de todos ao meu redor, os cochichos e as risadas de provocação. Ao sentar, tentei fazer como o de costume: comer rápido e ir para casa, mas como comer rápido se não há fome e a vontade de sair correndo é maior? Evitei qualquer tipo de manifestação, seja virtual ou real, sem conversas, sem contato visual, sem telefone. Tentei controlar a respiração, as mãos e a ansiedade que batia na minha cabeça. Muito provavelmente ninguém tenha percebido que eu estava entrando em colapso, espero que não. Feijoada não é peixe, triste feijoada. E assim, os dias vão indo de vento em polpa, pelo ralo, dragados pela suculência de não conseguir fazer nada de útil.
Ei, olhe para mim!
Respiro fundo, percebo que perdi a concentração e volto ao mantra do olhar de poder. Fico contando de 0 até 10 em repetidas vezes. Até que finalmente ele funciona. Você acha que estou olhando nos teus olhos, mas não estou. Foi lá pela terceira consulta, ele me disse algo que me ajudou durante o processo, me disse que eu poderia estudar técnicas de comportamento e replicá-las até um momento que seria algo "natural", passei a comprar livros de autoajuda nesse seguimento, testei muitas coisas e das quais eu mais fico feliz em conseguir em proeza cotidiana é o olhar do poder. Claro, depois de me concentrar muito. Fico olhando por entre teus olhos, onde calçam as sobrancelhas. Pessoas do espectro não fazem esse tipo de contato tão primordial. Parece que tudo se resolve quando se é normal, quando se faz coisas normais. Pena que é doloroso e confuso em sua maioria, e talvez, por agora, não seja prioridade. Um dia, as pessoas serão capazes de entender os outros sem precisar fazê-las se sentirem um lixo-humano, descartáveis e impróprias, mas até lá, sigamos em crença no mínimo necessário para viver.  

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