terça-feira, 3 de outubro de 2017

Ainda é cedo.


Ainda é cedo, mas eu preciso sair daqui. Preciso deixar para trás, mesmo que por um momento, essa bolha de vergonha que se infla pela casa. Roubei um pedaço dela e pus na mochila, foi um dia com uma bomba dentro de uma caixa, pronta para entrega trágica. Trágico não é o mesmo que mágico, do mesmo modo que natureza não é o mesmo que comportamento. Fui catalogando quantas vezes eu fiquei com vergonha de mim, só por hoje. Sempre quando chego depois da casa dos 30 eu perco as contas, volto a contar em pares de três. Ainda pelo caminho demorado, lembrei que poderia haver marcas e eu teria que criar uma história mirabolantemente mundana. Por sorte não havia. Nada de marcas vermelhas de tuas mãos que me apertaram, provavelmente também não deve ter nas costas que encontraram as maciças paredes por vezes, e as unhas estão intactas, por mais que os dedos tentassem agarrar as quinas com desespero. Ir de contra-vontade é tão humilhante quanto por conta própria e, às ordens do imperador, a saída trágica era me ditada contra vontade. Acho que você ainda não percebeu que existe um oceano que me separa das coisas que todos fazem tão facilmente. E, acho que não é perceptível, mas eu não sei nadar. Sim, também já tentei, e "eu não tenho um barco", disse a árvore. O que fazer então além de ficar quieto e seguir o ritmo de uma terça qualquer? Sinto a cabeça doendo novamente, já foi 1 grama de paracetamol, 500mg ao acordar com a cabeça martelando, e 500mg ao ter a cabeça esmagada violentamente pelas ásperas atitudes de vandalismo contra meu templo. A dor era tão intensa, a vontade de fugir era real, mas tudo o que posso fazer é pedir, suplicar para que me deixe em paz, digo que não vou, que não sou, digo o que quiser, mas me deixe ter um dia comum. Dia em que posso vestir uma camisa cinza, mudar a playlist e lavar roupa. Não desprezo sua boa vontade que dita o que devo fazer, mas não é uma hora boa para que eu possa seguir ordens, não é momento para que eu saia da rotina. Além da dor, da quentura, da tontura, sinto a vista ficando ofuscada enquanto limpo a vidraçaria, a imagem da pia vai ficando conturbada de um jeito diferente a cada indagação tua. O inquérito molesta o silêncio do dia de sol. Até que se derrama. Paro para conter-me, para zerar o ápice do perder controle. Continuo contando em múltiplos de cinco quanto vejo o dia se despedir, os passos são poucos, o caminho é longo, parece que nunca chegarei. Parece que até isso se vai e minha vergonha por tudo isso hoje deixa tudo mais pesado. E deve ser por isso que tenho tantas dores nos ombros, minha respiração pesada não me deixa esconder. Quando finalmente repouso, numa dessas mesas-dominó, peço desculpa mentalmente para todas as pessoas que já decepcionei por não conseguir ir aos lugares que queriam que eu fosse, nessas festas de aniversários, churrascos, clubes, boates, cinema, e casa de amigos. Eu, sinceramente, sinto muito. Embora não pareça, é muito difícil não perecer as condições de ansiedade. Sinto muito.
Mas não se preocupe, com o tempo certo você se acostumará a não mais precisar fazer o convite, uma hora ou outra, bem perdida no tempo, você lembrará que tinha disso da ausência, até não mais fazer falta.

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