quinta-feira, 7 de setembro de 2017

NeonDawn


 O holograma de ontem sorri, dá uma piscadela e me convida a segui-lo. Iremos almoçar. O holograma vai sozinho, acompanha em silêncio se eu estiver para o silêncio, acompanha em conversa se eu estiver para conversa, acompanha sempre aos cuidados de. O holograma é um fantasma que aparece durante todo o meu dia. É um exercício resolvido ao som de Pearl Jam, uma ida ao Shopping para ver cartas do Pokemon, é um parceiro calado. O Holograma era você, e toda sua feição em me fazer bem. Sei de tudo isso porque eu vivo Rhye - The Fall: as nuances, os movimentos, e a melodia da madrugada. 
 A melodia se estende por muito. Ouço as mesmas músicas, nas mesmas condições. Ultraviolence quando triste, MDNA quando em dias de sol, várias playlists específicas para cada momento. O banho antes de sair de casa é programado, o banheiro que nunca usei é evitado, a praia é jurada em visita, os dedos nunca mais se entrelaçam. A madrugada também traz algo que açoita o sono, ela amargura mais que o preto que aquece os lábios. A escuridão transborda fulgurante por entre as paredes, e você nunca vai entender o porquê das coisas.
 Já se perguntou hoje os motivos que te guiam? Onde quer chegar daqui a pouco?
 Eu deixei de fazê-lo por aceitar a derrota. Planejar um universo de possibilidades é algo que ninguém mais faz. Hoje tratamos o dia como ultimo, menos um dia, mais uma conta para pagar. Querer é algo problemático, pois traz certas incertezas que tem frustração certa. É como comprar um livro e não lê-lo porque está embalado em plástico. São besteiras que dificultam o dia, bobagens alienadas do mundano e ridiculamente compartilhada. 

 Ouço os risos deles novamente, acredito que seja sobre a lata na mão, a lata ainda fechada e já quente. A lata que eu pedi discretamente que abrissem e logo eu fora ignorado. Dizer que eu não quero mais já passou da validade. Mais um momento de ridicularização que massacra qualquer vontade de socializar. Volto a estaca 0. Agora protegido, tento sublinhar este dia como um dia produtivo para o vazio. Alimento os peixes do aquário que coleciono. Tenho um novo em folha para se preencher com as lágrimas que descem sem perceber. O cascalho no fundo é todo reluzente, são pedaços importados dos sonhos que deixei quebrar por não mais acreditar que era possível. 
 Essa semana me convidaram para ser alguém, quando cheguei lá vi que era o local certo na hora errada. As luzes eram de uma cor vibrante, as pessoas com aspectos estranhos para um panteão. Diminuto pela pobreza de estilo, voltei por um momento. O holograma estava ali, você não, mas o holograma sim. Ele me olhou com senso de propósito, e com a aura do não-julgar, me disse: Você não precisa estar aqui se não quiser, mas se quiser, eu também estarei aqui. 
 Sabe, caminhei até a primeira ruela e fiquei ali esperando a chuva cair. Não demorou muito até tudo se derramar. Quando você está na chuva, as pessoas não saberão se você está chorando ou não, porque tudo se derrama feito lava, e como tal, abre-se um caminho devastador até que ela se resfria e pára. Ninguém ousou me questionar pelo banho de chuva, ninguém se importa com a chuva até que precise fazê-lo. E, por isso, releio as letras em neon, gravo-as na memória para outra hora. Uma hora em que talvez eu volte a acreditar que posso ser alguém.
  

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Tempos de Cinzas.


Eu sabia que não era uma boa ideia, mesmo assim, arrisquei quebrar o protocolo que tento criar para poder fazer as refeições sem pragmatismos. Acendeu de maneiro costumeira, "@X curtiu sua foto", e após 15 segundos, tempo suficiente para a notificação expirar, "@X curtiu sua foto", e assim se fez outras vezes. Eu já havia desistido de capturar as notificações e te aconselhar a respondê-las de pronto. Porque tem horas que pequenas coisas significam muito, e tantas outras vão além do nosso poder de pedir. Mirei a refeição seca, comi o melhor que pude, e deixei correr os diálogos que me atraem. Sempre que surge algo interessante, o massacre é quase que unânime. Todos ao redor ficam desdenhando, satirizando e calando conversas com teor atrativo. São chatices que ninguém quer saber, dizem eles. Eu continuo calado. Aprendi a ficar calado depois de perder muitos bons contatos. As pessoas não querem saber sobre meus gostos, sobre o que faço de melhor, ou outras teorias que leio por aí. E, sentado à mesa, vejo uma cena que já marquei a pele com mágoa, era bem assim que as pessoas se afastavam por eu só falar da mesma coisa, ou falar demais sobre pessoas mortas, sobre teorias nunca lidas/ouvidas antes, era bem assim. Propositalmente, a tela volta a acender, a figuração do diálogo nos bastidores do dia começam a me deixar exausto como o resto do dia. São conteúdos similares: idades, amigos, músicas, redes sociais, o que curtem nessas redes, os comentários de um para o outro e conceitos de gente normal. Além do que, formam um belo casal. De soslaio vejo vocês conversando, o toque sublime no cotovelo, no ombro, as risadas, as mãos circulando no ar e a confiança pairando em seus sorrisos. Vocês têm uma boa conexão. Considero isso fantástico, porém hoje não posso ficar contente por ti. Hoje é um desses dias de clima nublado, que choverá a qualquer momento, onde eu vejo tudo isso que vocês são e eu não, vejo o que ele pode dar e eu não, vejo as ciências sociais calada por mais uma vez e isso não será problema, bem comigo era. Muitas coisas comigo são diferentes, como a torta que não é pedida quando estou presente, como o livro que não é locado quando estou presente, quando os passos ficam se arrastando, como minha presença fica pesada e difícil pra qualquer um. Observei, meses atrás, o quanto de amizades era crescentes, e tudo era comentado como um "nada demais", "apenas contatos", e nós sabemos melhor que ninguém que não passa de uma mentira dita pra si, que tudo tem um significado relevante e bem objetivo, porém não ali, não naquele momento. Sei disso porque são mentiras diárias que contamos para si, para fazer a gente acreditar em nós mesmos. 
Eles apontarão os dedos e falarão coisas quando me verem, isso é bem normal da humanidade. Por isso, e mais um tanto, é que passo a tentar ser suprimido pelo trivial, sem curtidas de apoio, sem comentários alusivos, sem passeios de mãos dadas, sem sms na madrugada, sem sorrisos ao encontrar, sem futuro a planejar. Viver um dia normal, seguido de outro, e por aí vai. Sem afetos irrisíveis e superestimados. A vida cansa por um momento e é aí que lembramos que estamos sozinhos na vida adulta, meio que descompassa tudo. São tempos de cinzas, céu cinza, chão cinza, chove o dia inteiro, lá em casa, aqui na rua, ali nos meus olhos do espelho. A tristeza não se faz presente, apenas exaustão súbita das coisas tolas, de uma conversa não tida, de um segredo ocultado,  de uma mensagem apagada. Isso vem corroendo e despejando indiferença nos eventos cotidianos, você percebe e não agride minha parte para não sacudir a tua, o "está tudo bem" sepulta aquilo que firmamos em nunca mais ousar em tocar. Você sabe do que estou falando ou vai fingir que não é contigo?
Pessoas adultas adultas conversam, entram em acordos e seguem a vida. Estou exatamente nesta fase, o problema é que o esforço de conversar tantas e tantas vezes acaba arranhando o bem-querer, rasgando-o de maneira vil. Espero que eu não desista antes de acabar, porque a força é quase nula. No mais, estou indo embora.

domingo, 3 de setembro de 2017

Demente.



Como atividade lúdica, ele me disse para escrever uma palavra por dia. Aquela palavra que me disseram em adjetivo. A palavra será um guia para redefinir meu eu e transparecer a minha pessoa através de outros olhos. Colocando em prática, peguei alguns post-its e passei a colar na parede de casa. Um por dia. Como um mapa em prefácio. Até agora poucos borrões amarelados com palavras de familiares. Tentarei seguir ao menos por um período de testes, uns dois ou três meses, depois recolherei todos em ordem e seguirei para próxima fase. 

Adaptação



Deve haver um mundo onde você possa caminhar entre as flores, entre os amores, entre as cores de aurora. Deve haver vida além da escuridão. Se não houver, acostume-se. Acostumei a dar de ombros, a ficar calado em vez de explicar, acostumei a não precisar sempre, a não querer tanto, acostumei a ficar sozinho, a fazer sempre a mesma coisa.
Se o rascunho falasse por si, você certamente saberia os quilos de tinta preta que se despeja por entre as noites de frio. As letras se derrubam, se trespassam, se matam por aparecer e não sucumbir ao vazio que são as noite de chuva. O som da melancolia é sabido pelos vizinhos que tentam sorrir param mim quando passo por eles na sorte. Tentam dizer que Deus me ama, que o dia está lindo, que a economia vai melhorar... são tantas esperanças viscosas que são diluídas pelas paredes falantes que contam as verdades. Ouço cada um deles confessar o contrário quando estão salvos de si, no calar da noite, na depuração dos sonos, todos tolos durante o dia, todos tolos.
Apesar de passar por coisas que poderiam ser belos relatos metódicos, processei as informações como recebo elogios: Jogo-os no lixo, amassadamente. Essa tão desesperança, velha conhecida, não traz qualquer novidade, qualquer menção ao passado ou futuro. Ela se projeta como naqueles tempos cinzas que eu não sabia quem eu era, o que eu era, e o que poderia ser. E, claro, hoje, tudo isso se estraçalha em desdém por ser apenas mais um dia da vida lixo. Parei de comer e sustentar o corpo. Passei a digerir do fim ao começo, como as letras que corrijo agora por autoflagelação linguística, ludibriando o arquipélago lácteo que flutua em preto frio.  Acostumar é sinônimo de adaptação, e assim se vão os dias, menos um dia por vez, craterando a vontade de seguir em frente.

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...