sexta-feira, 23 de junho de 2017

Lápide.

 Ainda é cedo e, para quem dorme próximo das quatro da manhã, um sms não é nada às vinte e duas horas. O problema de entrar em um turbilhão é quando não se sabe sair dele. Justamente assim, começou o final de semana. A minha vontade era levantar todas as questões que se desenvolveram com a seguinte frase "vou fazer aquilo que te disse que não faria", e o flashback de promessas, juras e afirmações brotaram nas paredes como post-its. O que se deve esperar de alguém que tem atitudes contraditórias declarando que vai fazer isso propositalmente? Sinceramente, eu espero tudo e qualquer coisa. E, por mais que seja previsível, a única pessoa que vai sofrer com isso é aquela que não saberá lidar com as consequências dos atos (im)pensados. Se você, leitor(a), acredita piamente que vai carregar o peso dos ecos do teus atos sem reclamar, enfrentando numa boa, dou-te parabéns e siga forte. Porque, se o arrependimento surgir, aí terás um problema exclusivamente teu. Não terá choro ou ranger de dentes que corrija o tempo riscado com frustração projetada. Mas não te preocupes, tudo é uma questão de aprendizado, e a melhor época para errar e aprender é entre os 16 e os 25 anos. Dá para fazer muita coisa boa e ruim, maturando as consequências a cada dia.
 Ainda é cedo e, começara a pensar em planos futuros para quem não sabe nem o que fará ao amanhecer é, deveras, trabalhoso e inútil. Remoer a culpa, rever frases e diálogos, mexer aqui e ali como se uma planilha virtual se projetasse na parede, auxiliando a paranoia rotineira. Cheguei tarde ao enterro da ideia de você. Todos já se foram, as flores de prêmio caem ao pé da imagem, leio "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço" gravadas no mármore. Repouso por um tempo no jazigo, tomo os drinks que trouxe para celebrar a união. Tudo morre uma hora ou outra. E, aqui, morre mais uma parte de mim.
 Ainda é cedo e, mais uma vez a memória falha. Estou tomando esses glóbulos de cores alternadas para aliviar a pressão de viver. A sonolência nem é tão forte, mas às vezes me esmagam o crânio. Aos poucos, como o cair da chuva de inverno, minha memória se esvai. Gradativamente, minhas lembranças são surrupiadas pela dor de não querer lembrar das coisas, de não confrontar o passado com o presente, de não te mostrar quanto dói saber do mármore. As lembranças vão morrendo como ato unilateral de gostar. O efeito é simples, como um mantra, uma façanha trabalhada para melhoria pessoal. Primeiro se vão as coisas mais irrisórias, depois nomes, lugares e coisas, evoluindo para datas, acontecimentos e finalmente sentimentos.
 "Talvez tenha finalmente aprendido", é o que está na testa por agora, observar e agir. Foi assim que aprendi a me enturmar, livros de expressão, controle e sensibilidade. Aprendi a emburrecer, a dissimular e principalmente a mistificar. Agora, mais que nunca, reforço as aulas de desmemoriamento, esquecendo o(s) que importa(m).  


domingo, 18 de junho de 2017

Caprese





 Quando a revolta é maior do que o medo de sair, é justamente quando as coisas inimagináveis podem acontecer. Nem pensei duas vezes ao fechar a porta, deixando para trás um escarcéu efusivo, apenas queria ir para qualquer lugar que não fosse minha casa. Geralmente, as pessoas comuns querem deixar tudo e ir à casa como refúgio perfeito. Comigo é justamente o contrário, parece que o barulho do mundo é mais silencioso do que aqui dentro. 
 A chuva castigava a cidade como outrora, entretanto não seria isso que pararia a vontade de fugir. Uma vontade máxima que evolui com o passar da vida. A cada dia, a cada minuto, mais e mais vontade de apenas sumir. Ser arrebatado por uma ordem superior, aliens, ou seja lá o que for. E foi assim que segui o mantra até o ponto de encontro. Uma frase reiterada de que o novo poderia ser melhor do que eu já tinha até ali. Segui com receio preso na garganta, quebrando um, dois, três pontos de segurança. O frio não me deixava mostrar que eu suava de nervoso, as unhas já tinham sido roídas e, por sorte, o dinheiro do Uber-Fuga já estava bem preparado. Porém, ao se declarar um estranho no circulo, um neófito no castelo, um anônimo entre os bancos, me senti confortável. Tudo era novo, e eu poderia ser quem eu quiser. Escolhi o personagem mais caricato e audacioso de todos que já vi. Escolhi vestir a máscara do meu eu polido. O que não mente, não distrai, não se incomodar em incomodar.  
 Falei muito sobre as coisas que me apetecem, sobre situações confusas, vozes asperas e tendências de solidão. Falei muito sobre tanta coisa em um mix quase que ensaiado. Comendo pizza de Natália Klein, bebendo água de Victor Hugo, nas paredes via Downton Abbey, nas roupas Warner Bros e Sony, o ar era 212 e Polo, um clima Friends e Happy Endings. Referências em uma noite irreverente. Essa foi a noite em que desafiei o normal, o certo, a contramão. Me lembrei que Vanessa me sequestrava para dias assim, para noites também. Lembrava de muitas vidas e pessoas, lugares e sabores, lembrei da França, do frio de Montpellier para ser exato, lembre da Gréia, Marrocos, Itália, Emirados Árabes, Chile, Bolívia, México e Guiana (mas a francesa). Fiz um tour nas minhas lembranças de tudo o que já vivi em tantos tons diferentes. 
 A noite seguia em um fluxo de risadas, questionamentos e aprendizado. Todos estavam ali apenas para celebrar um dia comum de sábado. E eu, celebrando uma saudade. E foi aí que me vi triste. Por estar celebrando algo que eu já não podia, algo que já não era bem-vindo. Quando te olhei, quando você sorrio de maneira automática e envergonhada, fugindo do meu olhar de saudade, foi nessa hora que eu vi o sabor da pizza. Não é errado você querer experimentar outros sabores, mas você sempre terá um preferido, ou um que você consome mais. É natural experimentar, mas, quando se come uma pizza do mesmo sabor que você já conhece, não se pode esperar degustar uma coisa diferente. Caprese é caprese, frango é frango, mista é mista, e por assim vai. 
 Essa noite foi a noite da Caprese. Ora por curiosidade e ora por ousadia. Mas, não sei se me acostumaria a ter o mesmo saber todos os dias, não esse que já conheço e que um dia me engasgou. A vida tem disso. Tem umas saudades que são ruins mas confortam. Vai entender. 

Peguei estrada ao amanhecer.


 O dia ameaçava acordar enquanto nos preparávamos para partir. Era quase cinco da manhã quando olhamos para a vida fora de nós. Tudo aqui se repetia de uma maneira não-natural. A mesma noite em forma de comemoração que se prolongou, arrastando-se para laços eternos. Talvez você nem lembre disso por agora, mas eu não me escuso de nada. Os passos foram dados bem conforme o mesmo contexto. O ambiente, as pessoas, a iluminação composta, os livros moldados, as cores do céu e a inexplicável maneira destrutiva de dizer adeus. Sempre me vejo padronizando os acontecimentos, como forma de autoproteção. E, como sempre, comparei tudo o que houve conosco, e os motivos pragmáticos para te dizer, caso eu tenha chance, que dessa vez não farei diferente. O fim já é tão esperando quanto um clichê de Hollywood.
Aí você deve se perguntar: será que vale a pena passar pela mesma coisa? Será mesmo que é a mesma coisa? Quais os riscos, perdas e ganhos?
Bem, eu sei que eu me perguntei muito. Me perguntei até ir dormir novamente, passando-se quase 40 horas desde o último sono e, devo te ser sincero, ainda não sei o que devo responder a si. Ontem, infelizmente, me vi olhando fotos antigas, memórias que gosto de esquecer, mas não completamente. Vi umas gravuras de um tempo que acreditei que poderia me apaixonar, amar, sentir saudades e tudo o que um coração normal faz. Vi umas imagens do teu reflexo, vi teu sorriso, tuas cores, teus apetrechos e me vi junto. Vi uma vida que refletia a tua perfeita ordem, logo depois vi a destruição de um reflexo mágico. Me vi jogado de volta a vida sozinha e sem cor que é a minha vida de fato, e isso é o mais normal de mim, uma imagem que não reflete nada além do próprio vazio. E, assim como as ruas daquele dia, vazias e preguiçosas, foram as ruas desta ultima noite acordado contigo. Vi que não buscava mais o teu jeito de olhar, o teu toque grosso, nem tua cantoria rubricada. 
 Eu poderia te dizer tantas coisas, coisas sobre mim, coisas sobre ti, coisas sobre nós, o mundo, tudo, o passado rasgado, o futuro pendurado, eu poderia te dizer tantas coisas. Seria mesmo justo, revelar tanta bagunça em troca de duas horas de conversas infinitas e olhos que mudam de cor?  


quinta-feira, 8 de junho de 2017

O dia histórico.



[Texto perdido, pedaços encontrados]
 Hoje, sete de junho, o dia histórico deste ano. Bem, ao menos, até agora. O dia de férias, aquele dia perfeito, mesmo que pensando que não seria tão bom assim quando saí de casa, o dia que ficará nas nossas mentes e fotos para sempre. Um dia inesquecível. Muito sol, areia quente, risadas motivadas, praia convidativa, bebidas e cigarro, brisa. E claro, ao lado de pessoas que gosto infinitamente, e a cada dia agradeço por tê-las ao meu lado. Um dia que eles lembrarão como história, como marco de que após tanta chuva, problemas, a tempestade uma hora finda e estaremos juntos, para compartilhar nossas desaventuranças. Você lendo assim, me diz se não dá uma ponta de inveja, dá sim que eu sei. O dia histórica, com alegria e festividade foi para outra pessoa, não para mim.
Eu não sou esse tipo de cara que tem esse tal dia histórico que clareou teu dia. Não, não. Meu dia histórico não teve nada a ver com isso. Na verdade, esse marco crucial de sete de junho poderia ser deflagrado como dia de luto. Quando a criança interior foi brutalmente assassinada, um infanticídio esperado pela vida adulta, mesmo que pensando que não seria tão bom assim quando saí de casa, e olha, não foi nada bom. O pesar matinal que esfria o peito logo ao acordar é tão conhecido quanto a angústia que repousa no travesseiro. É aquela conhecida sensação que carrego desde o começo do ano, uma frieza ao acordar, dores pausadas e vontade de ser ninguém. Arrastando pelo dia de mudanças significativas, percorro os corredores nublados, o transporte demora como costume, o céu de amianto me acompanha, o nevoeiro na laguna me precede, o torrencial marasmo da vanguarda se torna presente e aos poucos o dia vai se passando. Um dia que ficará na memória, do mesmo modo que o caminho de volta às práticas de solidão. As ruas de casas pobres e pessoas sujas me atraem, ando por vielas e terrenos baldios, esbarro em coisas e pessoas, me lembrando do caminhos que passei a pegar em setembro do ano passado. O vento gelado continua tentando me aquecer de maneira truculenta, averiguando se estou mesmo certo de que não esquecerei do dia de hoje. Moribundo como minha vontade de continuar, vejo pessoas que poderiam ser meus vizinhos. Cumprimento um e outro como uma pessoa cordial, forçando sorriso complacente. 
Desistindo de maneira sensata, volto ao trilhar caminho para a problemática. Vejo que a insistencia em continuar vem de pessoas que fecham a porta na minha cara. 

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Se você quer ser um guitarrista do Iron Maiden



Extravagâncias, amantes, dívidas,
separações, alegações de incesto,
morte por febre,
se você quer ser um guitarrista do Iron Maiden
tem que carregar consigo um Lord Byron.
Tem que ser antigo como são antigas a bactéria,
a chaga de Cristo
e tudo o mais que a medicina não deu cabo.
De teu motor valvulado, corrosivo e perecível
você tem que extirpar cadeados de lamentos,
cruz e sacrifícios.
Você tem que ser teu próprio pronto socorro,
da selvageria que é a vida,
do osso quando arrebentam
pancadarias na arquibancada,
uma taça feita de crânio, as perfurações,
as úlceras, as lesões, as ofensas,
as injurias, os agravos.
Você tem que saber que não é invulnerável,
que vão te fazer a corte e os cortes,
nunca as suturas.
Você é antigo na dor,
faz de sangrias coaguladas o teu pranto.
Você colocou a mão esquerda na labareda,
deu-a de bandeja à palmatória.
Com a outra você cometeu haraquiri.
E o show ainda nem chegou na metade

Por: Luiz Felipe Leprevost


Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...