terça-feira, 11 de abril de 2017

Giramundo


Desculpe dizer que não percebi onde você queria chegar verdadeiramente quando focou a folha. Rotacionei vagarosamente o aparelho, como se por algum motivo fosse despertar ali aquilo que em ti brilhava o olhar. Mordi a boca por dentro, sabia que não ia conseguir. Olhei para os lados, te devolvi a máquina. Engoli o seco quando disse que pra mim estava boa. Envergonhado, baixei a vista e sentei como se descarregasse meia tonelada das costas. Senti que vinha um monólogo prático de como não dou valor para tuas coisas, para os teus gostos e hobbies. Você ainda olhava feliz para imagem no monitor, era uma conquista que nenhum outro tinha conseguido. A captura perfeita de algo que em ti brotou figura tridimensional e disse "Aqui! Estou aqui!". Sem graça, observo o quanto aquilo te significa. Vejo as poses engraçadas que fazes quando clica e clica. "Essa não ficou boa", você diz, ajoelha-se, aponta novamente, mira com cautela como se fosse atacado a qualquer momento pela víbora mais mortífera de todas, prendes a respiração e clica. O raio da fotografia circunscreve o alvo e o registro é feito. "Ficou boa! Rá!", e você sorri como nunca. O sol te ilumina sem pudor, uma lufada de vento varre o chão e leva aos teus joelhos as folhas secas de uma tarde qualquer. Mais um pedaço do mundo que é apenas só teu, que poderá, também, ser compartilhado com todas as pessoas do mundo - se quiseres, claro-, os segundos que admiram a fotografia parecem durar horas. Entendo que cada um teu próprio jeito de decifrar o mundo, de podar a realidade e criar algo que nunca se repetirá do mesmo jeito. E, com minha cara de palerma, fico segurando todas essas "tralhas" tecnológicas para lá e para cá, sob o sol, sob a chuva, e converso com um, compro do outro, e assim vou te assistindo. Mais um dia de sol forte, suor, andanças e cliques. Sabe, eu não entendo nada dessas coisas e, por mim acho que a maioria é papel de parede de celular ou trabalho para casamentos e festas infantis. Se eu te disser que não gosto, logo tu faz birra. Faz birra quando eu falo, quando eu não falo, quando o flash não funciona, quando a nuvem tapa o sol, quando o cenário cai, quando não tem muito foco, quando tem foco demais, birra, sobrancelhas arqueadas, socos no ar e ponta-pés. E eu escuto todas as reclamações, todos os xingamentos e elogios, para com as fotos, claro. E é assim que funciona, eu não gosto, não entendo, mas participo. Porque o que temos de mais precioso do outro é o apoio, e por vezes, a companhia nos adiciona coisas que, provavelmente, nunca teríamos a capacidade de encontrar. A companhia nessas jornadas me fez conhecer muito do mundo, das pessoas, do perigos e dos prazeres tão diversos que não te posso contar com precisão. Tudo isso em busca do que é belo e vulgar; sem pretensões ou superstições; você, a câmera e o mundo nas mãos.     

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