quinta-feira, 30 de março de 2017

Nuvens vermelhas.



Ao abrir as janelas me deparei com uma saudade. Vi as nuvens avermelhadas de outrora. Eram grandes e volumosas, pareciam pesadas, mas andavam tão rápido quanto meu pensamento. Vi que ali poderia ser um ótimo lugar para pôr a cama, como antes, como quando eu dormia e via as estrelas. Lembro da época que as estrelas cintilavam até eu desfalecer em sono, lembro da passagem da lua, lembro dos raios do sol da alvorada, e do crepúsculo, lembro das cores e dos ventos. O rubro que sustenta o firmamento me entrega uma vida ligeira onde fui, deliberadamente, feliz. Não apenas pela própria experiência, tampouco pelas atividades inovadoras, mas também pela pressa que foi. Em pensar que um ano foi resumido em algumas poucas memórias, acontecimentos e aprendizagem. Parece que foi ontem que cheguei em casa pela primeira vez, abri as janelas do quarto, finalmente o quarto que poderia dormir sem temer alguém mexer nas minhas coisas, aparecer para falar algo de irrisório ou o barulho externo sequestrar minha atenção. Foi a mesma sensação de agora. Pousar o braços em contemplação ao céu, como se tocasse uma música, ao estilo Billie Holiday - Solitude, e apenas estar lá. Observando como se não existisse hora ou lugar, apenas a marcha das nuvens que se envergonhavam pela contemplação quase que absoluta. Em um mundo de perfeição, vi o vizinho ouvindo jazz, a esposa dançando, e o vapor do café bailava e se confundia com meu cigarro, enquanto apenas no céu fazia ser. Apoio os pensamentos igual aos braços, sem força, firmes, podendo relaxar. Ao abrir as janelas eu pude sentir novamente que poderia ser ali, meu novo lugar de antes, onde eu poderia sentir livre.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Eita




E, embora a tempestade tivesse se dissipando, percebi que pela manhã, logo ao acordar, o barulho da precipitação ainda ecoava pelas paredes. Arranhando as sombras em perseguição dos ouvidos de quem ousava acordar. Era um dia nublado, o quarto escuro se iluminava ao leve toque do celular avisando SMS. Tão retrô isso de SMS em tempos de mensagens de mídia, não é mesmo? Fiquei paquerando aquelas letras tão únicas, finalizadas com pontos específicos de agrado. Sim, eu percebo que quando a gente pede com jeito e se mostra importante pode-se fazer detalhes se firmarem, nem que seja por mero agrado. O texto era impreciso, dizia o contrário da proposta inicial, mas não retruquei, segui o fluxo comum do dia, não queria deixar mais contragosto. Eu queria te falar muito, mas respeitei a noite, o silêncio, as possíveis questões familiares e minha insônia que me aguardava ansiosamente. A noite se alongou em marasmo, ora calor, ora frio, como se nada valesse a pena, tampouco ousasse querer. 
E, embora já firmasse o sol que fritava qualquer vontade de caminhar, tomei rumo. A paisagem já mudara tantas vezes os passos e vozes que a preguiça se instalara. Fiquei a averiguar o comportamento tácito de que tudo estava bem. Após a celebração do cotidiano, voltei ao posto da cadeira circular com o dente em tribal. Local único que faz marejar os ares. Os tijolos de alvenaria são as testemunhas de tardes que se complementam e divergem, com risos, mistérios e tentações. A colega passa na hora programada, já testemunhando o convencional sorriso de bem estar. Preciso te dizer algo que me incomoda, mas não aqui, não agora. É difícil encontrar espaço no santuário, então sigo ao lado oposto. Apresento a metáfora perfeita para que possas visualizar o futuro sem cartas, mas sim nas estrelas. 
E, embora as estrelas fixas nos céus de veraneio não possam ser vistas o tempo todo, sabemos que estão lá. Postas e cintilantes. As estrelas de outrora, hoje graficadas em celulose, como exemplo daquilo que preciso e quero, algo firme, organizado, podendo ser despojado, pomposo, cuidado e exemplificado. A argumentação foi específica para facilitar, na minha cabeça ao menos faz sentido. Quando voam boca à fora, o emaranhado se tangencia ao clímax enfadonho da negação. Mensagem errada, penso. Volta. Falo novamente. Só piora. A voz embargada de resposta e questões me fazem parar, suspirar, odiar ser assim. Precisão torna-se lâmina fugidia que escapole e esfaqueia as esperanças. Sinto o querer derramar de frustração. Paro. Pare. Melhor parar. 
E, embora seja a hora certa de parar, eu continuarei. Não sei o que fazer, mas não pararei. Será a primeira vez que, ainda enfrentando as próprias limitações, certezas e predições, ainda que caia, falhe e morra, não pararei. É hora de novos conceitos, porque voltei ao básico, ao conforto e controle, mas tudo parece torto e inacabado. O suspiro acaba, não paro e continuo o caminhar, engolindo seco a proposta a ser feita a si. Espalhando verdades simples como um título de livro, agora não tem muita coisa em ordem, mas torcerei para que fique melhor, aos poucos, aos passos, melhorando e, quem sabe, os "emboras" se tornem "agoras".   

segunda-feira, 13 de março de 2017

Rosa Norte


 A ansiedade sempre toma conta ao esperar o ponteiro encontrar o norte. Vem um envolto ribombante de agonia, expectativa e frustração, tudo junto e ao mesmo tempo. Mesmo se consolidando como mero anseio, sinto que vomitarei a qualquer momento. Em pensar que nas mãos tenho a capacidade comprovada do caminho a percorrer, porém no peito me draga a fonte misteriosa de confusão e, claro, na mente apenas a ideia absurda e ultrapassada de que tudo dará errado e tomarei a pior das decisões. Esta é a hora que o mecânico não funciona, vejo acontecer. A agulha gira, treme, teima, mas não aponta a direção correta, aquela que tanto espero por resposta, aguardo mais um pouco. Respiro fundo como se adiantasse alguma coisa. Nada muda. As mãos firmes começam a padecer. Aperto o compasso e sinto a vibração das escolhas, já tenho que decidir, mesmo sem rumo. Preciso te dizer para onde vou e para onde não, ainda que sem respostas para tal, meço os passos para não derrubar nenhuma ideia antiga, nem suspender as convicções, tudo isso porque sei que são todas as coisas que irei tomar como marco, como checkpoint caso algo dê errado. Sendo sincero, sinto no âmago que a tomada de decisão definhará ao fracasso.
 Quero e busco um novo mantra. Algo que me faça continuar por mais difícil que apareçam os dias e as noites, varando as quatro estações. Algo que destrua o medo do crepúsculo e festeje a alvorada. Algo intrínseco que me mostre afinal de contas porque seguir por aqui e não por ali. É exatamente assim que me sinto: deitado, nu, em concreto frio, sem esperança alguma. Trago consigo apenas a bússola da vida, que não me diz hoje o que eu tenho que fazer, apenas aponta para as direções porque, então, vivemos em um mundo de possibilidades. 


domingo, 5 de março de 2017

Deixe acontecer.

 Tudo sobre mim.
 Tudo sobre mim.
 Era tudo sobre mim.
 Eroticamente, pus as mãos na abotoadura da bermuda e te olhando fixamente, baixei-as tão devagar quanto pude. Um pé suspendeu para que logo o outro pudesse se livrar do pano que vos chamava atenção. E na minha cabeça, tudo era erótico. Você não pisca, não se move. Tacitamente aceita minha presença ali, nas areias que um dia ninguém conhecia. Você, estranho que nunca se esbarrara comigo antes, estava no lugar que nunca estive, e descobriu meu crime. O que mais poderia fazer a não ser aceitar sua presença? Com as mãos ao redor do corpo, percorri cada parte, me certificando, pausadamente, que ia ficar completamente pronto, despido para o que estava pronto. Para o que já sai de casa pronto para enfrentar. Mordi a boca com cuidado quando pisei fundo para guardar as vestes em local seguro. Fiquei com medo de te perturbar, mas se você mexeu eu não percebi. Estático como um mero bibelô, ficou ali até que pudesse me perder de vista. E foi assim que, nas areias mornas de saudade, nos vimos e nos despedimos, como se nunca houvesse tido esse momento. Caminhando maciamente para dentro das águas, olho por ombros e te vejo ainda lá, começando a caminhar leve, talvez sem destino, como se em resposta ao que fiz. Deixei acontecer um dia de sol.


sábado, 4 de março de 2017

Eu fui à praia sozinho.


 E, agora com a paisagem passando como se me dissesse "vem depois, mas venha", penso nas palavras dela. Talvez ela tivesse razão, ir à praia sozinho não seria algo tão desagradável. Pois bem, meus pés fritam sobre a areia fofa, mas não incomodam ao ponto do desespero, a brisa sacoleja para frente, derrubando as ondas. O refrigerante proibido é praia. Areia, mar, música aos fones, ventania, refrigerante e muito "não obrigado e não agradeço". Infelizmente, o consumo na praia é líquido, não me atrevo aos caldinhos, casquinhas de siri, e todos esses petiscos do mar, seja camarão ou qualquer tipo. 
 Estar na praia tão logo me remeteu ao passado, como eu vim sozinho, deixarei o passado para longe. Desculpe, vou ler um pouco, um Tubarão para ser mais icônico; até a volta. 



  Só voltei por dois motivos: 1) Péssimo lugar para ficar e 2) item 1 várias vezes. Não que eu seja o avaliador nacional de praias, mas o lugar que eu fiquei era péssimo e não repetirei. Fui deixado às traças-marinhas pelo fato de estar sozinho, numa mísera cadeira de praia, com um livro na mão e um guarda-sol serelepe. Chegar cedo e escolher onde ficar é a melhor coisa e, assim, fiquei estratégico, fora da passagem, longe de churrasquinhos e próximo à visão do garçom. Falhando miseravelmente em ser atendido, tinha um trio elétrico portátil por perto, não consegui identificar de onde vinha, então guardei meu praguejar. O sol batia forte, minha fome também, tudo o que tinha no cardápio (antes de ser levado violentamente da mesa) eram coisas do mar, ou seja: fome. Vale frisar que quando cheguei eram três cadeiras, uma foi tomada sem qualquer cordialidade, como se eu não fosse merecedor de qualquer justificativa, afinal de contas eu fui à praia sozinho. E, por cargas d'água alguém repetiria isso de ir sozinho? 
 Te respondo com sinceridade, pelo simples fato de querer algo e ter algo. Não precisa ser nenhum X-men para poder fazer algo que gosta numa proporção tão fácil. Morar no litoral e não ir à praia é sim desmerecer a qualidade da habitação. São pontos positivos: o sentimento de fazer algo que deixei de lado faz anos; sentir o frescor das gotículas salgadas do mar que convida ao banho; pisar em areia e mitigar a compaixão do areal tão fofo quanto firme, demonstrando como é maleável o prazer de ser; o calor que em outros lugares é terrível, lá é tão
 A praia de hoje me resgatou acontecimentos de época de férias, ao qual eu ia todo sábado encontrar amigos. Passar um tempo na sombra ao som de músicas aleatórias e boas por sinal, conversar sobre coisas e pessoas, se sentir importante por ter um ponto de encontro. Coisas que parecem tão novelísticas. 
 Agora me parece tão estúpido a narrativa de um mero dia na praia que nem me recordo a playlist, mas tinha muito de Pop, estilo Love To e Halsey, teve muito de imaginar o tubarão comendo todo mundo também. Fazer o quê? Coisas da vida. Voltar aos pequenos prazeres, porque se privar de viver é lamentável. 

Ah, outra coisa, se tiveres titubiando sobre, vai lá no http://calmacamilablog.blogspot.com.br/ e abraça a ideia. 


He walks away
The sun goes down
He takes the day but I'm grown
And in your way, in this blue shade
My tears dry on their own

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...