sábado, 24 de outubro de 2015

A dor e a beleza da escrita.


Carlos Drummond de Andrade, em uma de suas cartas para sua filha, Maria Julieta, a aconselha:

“Escreva minha filha, escreva. Quando estiver entediada, nostálgica, desocupada, neutra, escreva. Escreva mesmo bobagens, palavras soltas. Experimente fazer versos, artigos, pensamentos soltos. Descreva, como exercício, o degrau da escada do seu edifício (saiu um verso sem querer). Escreva sempre, mesmo para não publicar. E principalmente para não publicar. Não tenha a preocupação de fazer obras primas; que de há muito já perdi, se é que um dia a tive. Mas só e simplesmente escrever, se exprimir, desenvolver um movimento interior que encontre em si próprio sua justificação…”

Belo conselho, que de um carinho ofertado a Maria acalentou tantos corações inquietos. Na ânsia de significado pela vida, muitos afundam, outros tomam um pouco de fôlego na bordinha da piscina, pegando ar, papel e lápis. O ato da escrita, por si só, já é um exorcismo. Quando não, uma tentativa de realocar e elaborar dores, perdas e alegrias. A dúvida surge e lá está o escritor, com um comichão no coração e uma caneta na ponta dos dedos.
"E se eu não souber escrever?" Mesmo assim rabisque. Linhas, frases, palavras desconexas. Que mal tem? Ver os sentimentos exteriorizados, seja na tela ou no papel, no mínimo alivia. Se mesmo assim não houver descanso, vai lá e faça de novo. E de novo. Até acalentar a alma e adoçar os sentidos. Por mais que sangre, remexa lá no fundo o que nem os seus ouvidos conseguem ouvir. Apesar do medo da entrega, é isso que salva muitos da loucura ou de assustadores demônios que insistem em rondar os dias.
O trabalho de criação é um mergulho no inconsciente, a junção dos caminhos percorridos e dos atalhos que ainda sonhamos em trilhar. É a entrega de uma pessoa despida de pudores, manchada pelos dias e remexida por delírios. Se você vasculhar nas tensões, tragédias, rancores, esperanças e nas fantasias incontáveis até mesmo para o analista, está um (ou muitos) texto(s). Angustiado por não conseguir expurgar tudo isso para a folha?
Se acalme. Ler é o alimento para a escrita. Já já as linhas chegam até você. Até lá, pratique. Diariamente. Nem que seja um vômito qualquer. A peneira vem depois, assim como o processo de modelagem. Tome notas e transborde literatura. Um livro ou uma crônica são, por vezes, o momento de tomada de consciência do autor. Ali ele se apropria do que antes somente pulsava em si mesmo. Por mais respeitado, renomado e brilhante que seja um escritor, o próximo verso é sempre uma incógnita. E que lindo é ser aprendiz da própria história. E das entrelinhas em que moram personagens e vidas.
Escreva todo dia (sim, eu me repeti). Começando agora você estará mais perto do que estava no exercício de lapidar a matéria bruta. Esta que sai de ti, alcança a folha e precisa ser esculpida. Se tomou forma, é que foi purificado. E sortudos são os que das feridas alcançam a catarse.

Por HILANE TAWIL

domingo, 18 de outubro de 2015

Quando eu partir.


O tempo está chegando ao fim. Chegará o momento em que nada mais existirá além do infinito, e quando este dia chegar não fique triste. Lembre da felicidade que te fiz presente, lembre daquele dia que rimos sem parar, das noites que apontamos para as estrelas e contamos como elas chegaram ali, quando eu partir não levarei comigo nada além da minha própria esperança de te ver crescer bem, viver uma vida continuada, com tantos ritmos e batuques que só a Terra tem. Não fique triste por pensar que tudo acabou, fique triste para depois ficar calmo, ficar sereno porque tudo valeu à pena. Todas essas nossas andanças, nossos pulos, corridas, todas essas filas, esperas e remarcações, todas as reprises, replays e loopings variados de informação. Nunca esquecerei o dia que nos conhecemos, de toda aquela simples confusão que se dá no segundo encontro, de tentar disfarçar a indiferença, de dar valor às tuas coisas favoritas, de relaxar no meio de um tormento. O bem mais precioso que exite é o próprio tempo e só a gente pode dar o valor que ele realmente merece, viver as nossas vidas de forma humanitária e bem-viver o ambiente, encurtar distrações, alongar jornadas. Abraçar. E mesmo quando eu partir, sempre que fechar os olhos eu vou te sussurrar "vivemos em um mundo de possibilidades".
Perdoe a forma brusca, mas a vida é um grande livro onde uma hora chega ao fim. Epílogos e finais. Daí você se pergunta: como está sendo o seu incrível conto? O meu, posso ousar em dizer, foi inesquecível.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Alvorada



Era um novo dia, um outro dia, um dia de alvorada. Sol que nascia, sem saber o que viria, o que veria, o que viveria. Outrossim, outro não. Nuvens compostas marchavam em prol da vanguarda de trabalhadores hesitantes. Marcas de sono perpetuavam os primeiros cumprimentos, e todos, todos eles saudavam a alvorada. Morada de colibris. 

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...