sexta-feira, 20 de junho de 2014

Canção para não voltar.


 Aceitando o convite para um jantar com amigos, me dirigi então para o restaurante. As vielas eram tristes, cinzas em quase todo ladrilhar, não haviam transeuntes despreocupados, nem passos apressados ou sequer animais desavisados. Ainda assim, abraçando-me do frio da noite, continuei o caminhar. Naquela terça qualquer, qualquer coisa poderia acontecer, principalmente nada. E assim o fizera. Nada de logo aconteceu.

 Éramos 11. Ímpar por impeto meu. Não quis convidar ninguém por um aparato medíocre. Um convidado, ele ou ela, apenas causaria mais furor, afinal de contas, eles contavam com isso. Era um típico jantar de demonstração de como ser um casal feliz. E, após alguns minutos, horas eu presumo por mero jogar, após meus lábios sadios beijarem por mais uma vez os lábios da garrafa por eu abandonar a taça marcada de batom, não me pergunte de quem, eu mesmo me despojara de tal feito logo na segunda aparição. Se bem que entre nós, homens e mulheres de idade mediana, um batom ou outro, em qualquer lugar que seja, raramente tem uma explicação plausível. E, de fato este também não havia como explicar. 

 Atravessei a quarta garrafa de vinho tinto. Isso me dava mais confiança do que apenas brincar com triunfo aos assuntos dos homens. Alternadamente eles se apresentavam: um homem, uma mulher, um homem, uma mulher... eu, um homem. A corrente se quebraria de qualquer forma, pois meu lado afetuoso tortuou pelo caminho do similar. O que eu já nem me queixava de acontecer entre nós, amigos de uma vida. Sabe, uma vez eu fui tão seco em manifestar minhas vontades que de passar-bem ficara apenas a conta do almoço naquele dia. O assunto correu por mais de lustro em meses, e eu apenas ignorava. Cansado de tanta chatice apenas aceno a cabeça para os fatos e dou de ombros para as negações, e como esperado, após primaveras tudo voltou ao normal. Ou melhor, tudo piorou.
 Enquanto aprecio o vinho fingindo não me importar para as carícias entre casais, eles continuam os questionamentos: Achei que estivesse namorando, o que aconteceu? Está com vergonha dos seus amigos? Não me diga que você é machista de deixar seu amor em casa? Já ficou com ciúmes, é isso? São tantas perguntas inconsequentes que apenas mais um gole os salvam da minha rispidez.

Garçom, obrigado, vou precisar de mais duas dessas. Não, não se preocupe que estou a pé mesmo, moro aqui próximo. Obrigado.

 Então, digo-lhes, estava mesmo namorando, mas como todo namoro tende ao fracasso. Fracassou. Ah, e já aviso meus caros que não me venham com dúvidas pois de respostas eu não as possuo.
 Eles se entreolharam, elas cochicharam um pouco, o murmurinho deles tornaram o ambiente curioso. Parei por um momento quando o garçom veio com a outra garrafa. Já era hora. Então, o rapaz do lado perguntou como se por um soluço inesperado: E se ele pedisse para voltar?

 Eu não seria leviano em responder com apenas Sim ou Não aquilo que ele esperava em explicações afetuosas e/ou emotivas em contrário. Respirei fundo e, ao pegar a garrafa, discursei algo que acredito que nunca conseguiria manter em perpétua linha de raciocínio se sóbrio.

 Acredito eu que, dizia-lhes olhando para a garrafa de vinho, se dos motivos eu não soubesse ou se fosse caso de medo ou circunstâncias similares, até poderia eu pensar em reatar esse relacionamento sadio. 
Eles pararam de comer, dos goles apenas os mais furtivos, mas todos os olhos estavam em mim, as orelhas então captavam todo o meu som. Aquela mesa de 11 pessoas postas ao prazer do convívio estava para mudar. E como sempre, tive que confessar-lhes mais uma vez dos meus motivos. Pousei a garrafa na mesa sem por um gole adentro, não sei se pouco sóbrio ou meio alto pelo vínico, eu dirigi exatamente meu pensamento como se guardado em carta e devidamente endereçada àquele. Uma resposta ao portador. Algo que nunca tivera chance de poder fazer. Dialogar.


 Mesmo que fosse um pedido sincero para voltar, respondia sorrindo, eu não voltaria. Vocês sabem que o mundo não é feito de 8 ou 80, todo mundo aqui tem suas razões próprias para estarem com seus devidos companheiros. Senhores, olhava-os, senhoras... E como todo relacionamento, há situações que aguardam por respostas, e a qual me deparei outrora não era uma dessas. 
 Sei que pode parecer um pouco rude de minha parte, ou até mesmo desgostosa, mas eu vivi bons momentos, os senhores bem o sabem. Entretanto, o caráter de uma pessoa não muda da noite para o dia, e para mim, relacionamento é algo para se viver como se fosse para sempre. Cada um de vocês buscam alguém para poder criar uma vida, família, trabalho, futuro, seja lá o que for. Buscar por sexo por conveniência não faz uma relação durar, tampouco rotular como saudável, ainda que sem responsabilidades de casal. Brindei imaginariamente para três na mesa, em tempos remotos eles passaram bom tempos levando um relacionamento por comodismo.

 Para mim, você namora para testar, noiva para mostrar que está pronto e casa para formalizar uma vida. Daí vem filhos, bichos e outras tantas responsabilidades. Se você não tem pensamento de construção familiar, já não sei o que teus pais ensinaram, mas os meus sempre me mostraram que a vida é feita de fazer vida, de viver com vigor. E assim, busco alguém que procure o mesmo, que trabalhe o mesmo objetivo de vida. Uma família. Porque ser sozinho aos 50 anos é difícil, amigos têm vidas próprias e animais não ajudam a pagar contas, nem a secar lágrimas e até mesmo criar sorrisos.


 

 O bom disso tudo, continuei falando como se analisasse a garrafa de vinho, é que continuo pensando em realmente ter filhos. Hoje mais que nunca vejo que uma família é continuar com nossa própria existência. Vejo também que as pessoas do meu círculo são levianas, não sabem bem o que querem por nunca terem que querer muito. Elas vivem em um espaço cômodo entre o que elas devem fazer com o que elas podem conseguir. Sonhar dá preguiça, e suar vira perda de tempo. Querer é um verbo que deve ser prestacionado ou então não merece sacrifício. 
 Dei então o primeiro gole da minha ultima garrafa.
 Hoje tenho quase trinta anos, vivi alguns romances falidos, fui um amante fodido, um rebelde sem causa. Hoje me liberto de hipocrisia idealista em que tudo pode ser natural ao homem se o comum disser que sim. Da ditadura da beleza lineada, maquiada pela própria produção de demonstrar aquilo que não é. Viro as costas para tudo isso. Então meus caros, tenho que lhes ser sincero por mais uma vez hoje, experimentem este vinho bordô. 

 Eles riram, creio que entenderam que das coisas que não podemos controlar, por vezes temos que continuar sorrindo. Desta feita só me resta agradecer e seguir em frente. Meu coração criou mais um detalhe na vida dos meus sonhos, ter uma espaço, seja ele qual for, onde eu possa ser feliz ao divulgar minhas palavras silentes. Ser parceiro de alguém que te apoia é ter um aliado contra o mal. Ter um Robin quando for o Batman, Ter um Tico quando você mesmo for o Teco, e quando a noite ficar muito maluca e você quiser dominar o mundo como o Cérebro, ter um Pink para ajudar-te, para dar graça a noite, para, ainda que falhando com os planos todas as noites, continuar te apoiando em mirabolantes planos estapafúrdios. 


 Do casamento já aviso, arrumarei alguém para ser meu par. Eles riram por mais uma vez. Claro, ficar na mesa dos solteiros além de ser descortês, seria ultrajante para alguém de quase meia idade. Em tempos de vapor iônico, estar só significa problema. Ser só, significa coragem.
 Sou uma pessoa solitária. Mas não sozinha. Quando ao necessário sempre há uma alma querendo o mesmo fim, bom ou ruim. De todo perdura a minha solitude companheira, que trabalha de mesmo modo todos os dias, segunda ou quinta, noite ou dia. Estamos juntos ao evitar os enganadores ou oportunistas de corpos. São estes que conduzem boa parte dos quebradiços corações. Aos que gostam de pagarem por sua solidão e ter em troca frustração, meus pêsames. Alugar um coração para mim é muito caro, posso perder minha licença de boa pessoa. Já para aqueles que gostam de fazer, boa sorte. 

 Gostar de alguém é tipo um contrato, firmando cláusulas hora e outra, de uma vida tranquila, dupla, seguida, infinita, assinada pelos amantes. E se caso houver dúvida, não chame outro(s) para o sanar, ou fará de modo quieto e sábio, ou então rogarás desculpas para deixar o outro em repouso. Não o faça, liberte quem não tu queres para que este possa ser melhor tratado por outro. Assim funciona com os pássaros, assim funciona com os corações alados.

 Confiar é acreditar que seus próprios valores podem ser compartilhados por outro.
 Não há título, jóia, contrato, descendentes que os segurem. Nada é mais forte do que a vontade humana, nem mesmo o amor, nem mesmo a esperança. A força de vontade é o que alimenta o giroscópio universal.



 A garrafa de vinho acaba em segundos, quase do mesmo modo que meu breve discurso. Como se nada tivesse acontecido, os outros se conversam, se firmam, se abraçam, comem, bebem, procuram em bolsa por coisas, se arrumam na cadeira, o garçom volta a circular.
 A segunda garrafa chega, mas já nem quero. Estou saciado por um mês inteiro. Agradeço a presença de todos e logo me disperso. Da conta deixo um bom grado, talvez nem pago o que consumi nesta noite, talvez pague de dois ou mais três aqui presente, quem se importa. Vou ao banheiro cambaleando antes de ir de vez. Ao molhar água em rosto me vejo, sereno, ruborizado do vinho, vitalizado pelas próprias convicções. Se for para amar alguém, que seja alguém de verdade. Alguém de coragem para ser e lutar pelo o que quer. Alguém que fuja dos paradigmas moribundos do dia. Alguém que queira sempre o bem. Alguém que não esteja à quem. Ao enxugar o rosto me vejo, cansado das mesmas promessas vazias de quem não sabe nem conjugar verbos. Alguém que não se valoriza nem pelo o que diz. Alguém que não sabe se se faz bem. 
Dou novamente adeus aos amigos. Demora um pouco para me despedir de todos, se bem que a cada abraço rezo para que sejam sempre os mesmos, ou mais uns miúdos. Espero um dia também ser sempre o mesmo, junto daquele que cuidará dos meus miúdos.
 A noite continua fria, enrolo meu cachecol por duas vezes. Admiro as estrelas antes de descer os degraus. Caminho para casa bem devagar, não gosto de errar os passos cruzados por um alcoólico jantar tão bem aproveitado. Tenho uma felicidade saudosista no peito, um caminho escuro e vazio pela frente, uma cama quente a minha espera e o sonho.

O sonho de ter uma família.







terça-feira, 3 de junho de 2014

Me Puxe.


 Ao acordar, me deparo com algumas coisas que evito durante todo o dia. Alguns pensamentos correm minha mente antes mesmo que eu consiga abrir os olhos, são todos contínuos, saudosistas e até mesmo indelicados.
 Acordo com a sensação de que hoje é um dia como todo os outros, mas sei que não é. Sei que hoje é o dia em que tudo pode mudar, o dia em que finalmente eu vou fazer, quando eu irei, quando não mais farei o que me faz mal. Todo dia é um novo via para começar aquilo que eu deixei para lá.
 Talvez, quando eu acordar para o mundo e despertar para a vida, eu não tenha mais esses pensamentos de cobrança. As minhas próprias palavras que serpenteiam minhas frustrações por eu deixar as coisas irem por falta de luta, deixar os prazos findarem por inércia, continuar com alguns maus hábitos por nem ao mesmo tentar parar.
 Daí eu abro os olhos. Acordado. Vejo as primeiras cores do dia. Alerta. Respiro fundo ao me espreguiçar, estralando cada parte do corpo ao mero movimento contorcionista. A preguiça balança junto tentando continuar agarrada, e ela consegue tão facilmente. Fico uns segundos sentado ao pé da cama em um desejo imenso de voltar ao calor depositado no leito e apenas continuar o sonho bom.
 A minha música favorita toca. Alegre tenta se expressar por cima do meu mal humor matinal automático, eu tomo em mãos o celular, não é o alarme, é você, sim você. Deixou uma mensagem de voz me desejando um bom dia e me perguntando qual as missões para hoje. Missões... Vai ver esse teu jeito de me convencer que tudo é uma... como é mesmo o nome? Ah, lembrei, quest. Me dizendo que temos quests todos os dias, talvez seja isso que me faça sorrir por um acaso qualquer.
 Aperto a gravação e te respondo como capitão, ao fim câmbio-desligo. Me levanto e direciono minhas forças as primeiras atividades. Pois minha luta começa ao acordar, e por mais que eu saiba que continuo no fundo como uma âncora fixada, eu tentarei subir mais um pouco dia após dia, com minhas forças quase ínfimas que por várias vezes necessita de um empurrão.
 E quando essa força estiver acabando, não desista.
 Me puxe.


Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...