quarta-feira, 24 de julho de 2013

Abrir os olhos.



Vi o dia acordar.
Da expectativa de raios do sol até o esplendor do astro maior.
Foi naquele dia que me vi vazio em esperança, acreditando que seria apenas aquela noite. E depois daquela noite infinita, vi o dia acordar.

Na verdade, você abriu as cortinas como se quisesse que o mundo nos descobrisse, puxou as cobertas da timidez e sorriu brando, olhou pelos cantos, e mais uma vez brilhou o olhar, um brilho de faca que ainda atordoa minha inquietude.
Os dias se passaram como se não houvesse o ontem, como se você sempre tivesse do meu lado, ontem, hoje, e amanhã. A madrugada precaveu-se de prevalecer entre os pensamentos secretos, era ela a cúmplice perfeita do nosso crime. E eu sempre fico a me perguntar, enquanto perfuro o teto com o olhar da amplitude e assim que vislumbro o estrelado céu, me pergunto se aquilo é certo, se é errado, se você está confortavelmente feliz por agora. Pois é isso que importa, quando os segundos correm e apressam as horas, o que importa é a minha importância em teu aspecto desajeitavelmente cativante.

Vi o dia acordar.
Engraçado como é bem mais escuro antes do alvorecer, as nuvens somem, só ficam um polvilhado estelar e um rabisco de negritude no horizonte que logo é engolido pelas cores. Do saudoso âmbar, passando pelo roseado, atravessa uma brisa de verde e anil até que, finalmente, o dourado consome o firmamento e nasce mais um dia. Se você olhar bem, verá que os raios do sol atravessam a rua sem olhar para os dois lados, pois ele tem certeza que deve fazê-lo, e eles têm a crença justa e mansa que aquele é um bom dia, um novo dia onde tudo pode acontecer, inclusive o nada. Vi, então, o dia acordar.
Mas eu não dormi.
Não preguei o olho um momento sequer.
Relaxo as pálpebras em esmero, torneio teu corpo com as pontas dos dedos, algo que adoro fazer, desenhar com singularidade os arrepios que te frisam a face. Uma ação reflexiva e involuntária, tal qual o ato de apaixonar-se.
O frio convida os corpos a aproximação. Esquenta o ambiente, abraçam-se as almas. Um só corpo mendigando as profundezas do universo, o silêncio do mundo externo, o escarcéu de nossa respiração, algo que acalma, bem como o mar com suas idas e vindas do manto borbulhante afagando as areias pisáveis da praia. Um ritmo consagrado por ser simples e automático, como um sorriso de alento, um suspiro em contento, um momento... apenas um momento... 

Vi o dia acordar.
Já estávamos prontos para uma nova aventura, meio incerta, meio certa de acontecer. Conjurar novas habilidades, marcar no mapa novos destinos, conquistar novos conhecimentos, abranger o vocabulário, léxico, vernáculo congruente. Impacto suave no hábito. O novo situa-se pouco ao longo do novo dia, um passo adiante, uma ambição constante. Algo incrível uma hora ou outra.
Um caminho diferente, novos prédios, um restaurante antigo, um novo hábito, uma música nova, uma dança antiga, contos inacabados, teorias já decoradas. É sempre a mesma coisa nova, uma repetição cíclica de hábitos renováveis, improváveis, formidáveis.

Vi o dia acordar.
Com o pensamento lá longe em Alfa Menor, usando a ponderação para não sair das montanhas têxteis, querer é uma vontade que assassina. Uma ligação com uma novidade ou aflição, nunca será feita, um lugar para relaxar, nunca será visitado, os interesses mais audaciosos a serem contemplados, nunca serão ditos... Esse é um emaranhado que sufoca a garganta enquanto o frio seca o ar. Pontos negativos sádicos que arrastam o tempo para o quase não-corre. Variações de acertos e erros que titubeiam a mente e entristecem o coração, tão simples, tão vulgar.

(Quase não) Vi o dia acordar.
Draga-se para o abissal inferno de si toda a tristeza e confusão de bem-estar. Ser feliz parece distante, machucar mostra-se mais próximo. O caminha resume-se em apenas uma direção, seguir em frente. Para cima, para baixo, esquerda ou direita, mas sempre em frente, não importa a velocidade, se tem uma pausa para o café ou abastecer o tanque, a tendência é continuar. E dos vales mais tenebrosos onde habitam as dúvidas, desilusões e medos, é aqui onde encontra-se o suspiro profundo. Este que uma hora e outra acontece, seja em momentos bons ou precedendo o esporro, ele sempre acontece. Principalmente quando a madrugada é curta e o dia nascerá em breve, logo terei que partir. Seguir rumo para a vida monocromática e repetida. 
Imagino se serei um livro famoso que nunca será lido nem a primeira página, ou aquela música que está no player mas sempre é pulada para a próxima que é bem melhor, penso que serei o lugar que desejas ir assim que tiver um tempo livre, porém todo tempo livre é preenchido com qualquer outra coisa, inclusive o desejo em voz alta de ir ao lugar desejado quando tiver um tempo livre, imagino em ser um colecionável que nunca sairá da caixa, ou um tênis bem gasto que nunca mais sairá de casa em pés limpos.

Vi o dia acordar.
A salinidade atravessa as traves dos olhos.
Vejo o tempo parar como se segurasse fôlego para um mergulho profundo. Precisa de peito cheio de ar, coragem e ação. Vem o suspiro, enxugo o canto dos olhos e abraço-te forte. Ter medo do próximo segundo é a prova maior da vivência de algo bom, algo que não queremos perder, escapar das mãos, deixar roubar-te de mim. É certo que a vida não pede licença, o tempo não descansa e a sorte muitas vezes é o revés, as pessoas vão e vêem, a luz acende e apaga, as plantas nascem e morrem, a fome acontece, o corpo fraqueja, o espírito reza. A perfeição de tudo é algo corruptível ao sistema, o ciclo tende ao acontecimento. 
Os fortes serão sempre fortes, mesmo aos prantos, mesmo ao chão, mesmo sorrindo loucamente, e os fracos serão sempre fracos, mesmo tagarelando felicidade, mesmo no poder estatal, mesmo no convívio diário. A força vem do caráter, vem do querer vencer com honestidade. É aumentada por mim, por você, é querer vencer, querer vencer.

Vi o dia acordar.
Percebi então que escolher o melhor de mim não era tão importante, que o mais significante era tentar. Se eu disser Sim, vou ouvir motivos para continuar com o Sim, se eu disser não, vou ouvir motivos para continuar com o Sim, entretanto o Não será agasalhado com carinho e sussurrado todos os dias até que transforme-se em um belo Sim. 
Eu acredito em mudanças. Bruscas e/ou tardias. Acredito também que a aceitação plena não é apenas assentir com a cabeça para tudo, mas aceitar as possibilidades que aderem ao corpo, que os limites exigem mais do íntimo que do externo, e as convicções próprias são dificultosas em transformações. O humano é neofóbico por tradição, e esta corrói todo espírito de mudança quando colocado em marasmo, tanto verdade que a ebulição de sair da zona de conforto já atribui dezenas de calosidades em imaginar tal fato. Aventure-se. Permita-se. Construa todos os dias metas que podem ou não ser cumpridas. Ajude um amigo a ver uma verdade real, perdoe um inimigo por não entender o mundo como você. Acredite na mudança!

Vi o dia acordar.
Entre braços e abraços, senti o mundo palpitar firme e calmo. O melhor momento da noite é sempre aquele que dá segurança, geralmente algo sutil como um olhar, um sorriso, um silêncio, um abraço, um beijo, um momento único e perpétuo. Algo que fará lembrar aquele dia como se fosse o último. E antes que o dia comece, aquele momento será infinito.
Procure agradecer e estar envolto de quem te dá atenção, quem te faz crescer, quem te aceita do jeito louco que é. Há no mundo pessoas que enxugam lágrimas, sentam-se do teu lado e compartilham o teu moribundo silêncio, pessoas que sorriem mais que você nos momentos de alegria, e sentem muito mais na perda, mas estão ali para dar suporte. Eles são extremamente importantes. Cultive-os.

Vi o dia acordar.
E mesmo não criando nexo plausível para uma conversa, tento expressar tudo o que posso em palavras. Escrevo como arte, diversão, escape, desabafo, alegria. Eu a letra, você a música. Um dueto impensado de um zerésima improvável, um acaso kármico de algo valoroso. A minha forma de existir. Luto para ter a memória que me fora roubada, para ter uma integridade afetiva mais ativa, ser alguém interessante aos olhos nus, principalmente quando as emoções enveredam caminhos novos, tortuosos e esguios. 
O dia está acordando e é muito escuro agora, a hora mais sombria. Respiro fundo, aperto nossas mãos e acredito. Não é fácil ser o melhor de si. 

Vejo o dia acordar;
E estarei plenamente feliz quando você abrir os olhos. 



Um comentário:

Apenas o céu

Foto por @sanamaru O amargo remédio se espreme goela abaixo, a saliva seca e o gosto de rancor perdura por horas. Em vez de fazer dormir ele...