sexta-feira, 29 de abril de 2011

Ateei fogo à chuva...


 O medo de tentar é algo insubjugável (que não se deixa subjugar), e quando se conhece alguns sentimentos, ou quando se faz passar por algumas situações, é possível criar um perfil de possibilidades no qual nós vamos enfrentar.
 Quando iniciamos, pela segunda vez, a conversa definitiva, eu já sabia que não poderia mudar sua decisão, mas ainda assim, queria mostrar a você meus sentimentos e pensamentos olho-no-olho. E mesmo após uma manhã cinzenta, onde desde cedo o céu tinha borrado a cor, fiz de tudo para continuar tranqüilo, com a mente livre para qualquer situação.

 Após saber de uma notícia que me deixou abalado, mas que de início não podia fazer nada por falta de informação, desloquei esse pensamento de preocupação da minha amiga e desliguei-me do mundo. Dei atenção apenas à ela, a quem eu esperaria uma conversa branda e de fortes informações.
 Fomos à um lugar pacato e de movimentação jovem, após conversas do cotidiano num fila sem contorno, sentamos ao ar livre, onde não havia ninguém lá, pois ameaça chover. Começamos a comer e conversar.

 Entre novidades e planos de viagens, mordidas e goles, toquei no assunto já esperado. Nosso término. Expliquei que não estava com raiva, só um pouco chateado por não entender o real motivo, mas eu mentia, eu sei qual o real motivo e este motivo é o que realmente eu tinha medo de enfrentar, pois não é simples mas também não é o fim do mundo. É onde se encontra esse problema que me dá mais medo, o íntimo do ser humano e este é um ambiente deveras hostil, e quando se fala em desconhecido é quando há mais tensão.

 Ela me deu várias explicações, com fundamentos basicamente na insegurança, mas essa insegurança que ela passou eu posso conter, pois é a segurança externa. Não digo que eu sou o super-homem ou o príncipe encantado, mas com todos os meus defeitos e qualidades, a de dar segurança é o que mais se expande no momento. Poderia ser teu porto seguro, não por um momento de dúvida, mas por todos os bons e maus momentos, de dia ou de madrugada, meu instinto de dever é surpreendente.

 Saber lidar com o social, separar família, amigos e relacionamento é algo bem simples para mim. Sou uma pessoa bem situada e compreensível, sei como choque de agendas e afazeres podem dificultar o encontro de duas pessoas, assim como algumas saídas são optáveis entre sua turma e seu amor. Acho que a realidade nos mostra isso de forma bem expressa, temos vidas distintas, assim como todas as outras pessoas. Os estudos, trabalhos, experiências, contas no banco... tudo é bem diferente, mas acho que todos tem um propósito comum, não importando esses abismos que nós colocamos. Digo nós, pois eu também tenho vários motivos pra dizer que isso não irá funcionar, mas por mais contras que eu tenha os prós são ainda maiores.

 Entre uma palavra e outra que você falava de forma decorada, enquanto maltratava uma batata frita em um copinho de katchup, eu pedia para você olhar para mim, mas sempre que fazia isso eu via muita confusão em seu olhar, como se mais nada fizesse sentido, e por breves momentos que avistei seu profundo olhar naquela conversa, eu ainda conseguia ver o meu eu que você ficou a martelar se valia a pena.

 Quando chegou minha vez de falar, quando ela perguntou se eu tinha mais alguma coisa pra falar, eu congelei aqueles 3 segundos e mentalmente me levantei dali: Olhei em volta e tudo permanecia estático. A chuva já não mais caía, os carros estavam parados naquele mesmo engarrafamento, passei pelas pessoas que haviam ali, mas não olhei para ninguém, atravessei aquele lugar como se nada existisse, atravessei a rua com ternura, tirei meus tenis na calçada, pisei na areia da praia. Caminhei lentamente até o mar e ali permaneci sentado.

Chorei.

 Havia perdido uma guerra que nem tinha começado. Eu deixei cair, meu coração e enquanto ele caía, você surgiu para reivindicá-lo. Disse que era possível acreditar no simples. Mas eu sempre fui sozinho e confuso, estava escuro e eu estava todo queimado de outras lutas que combati sem propósito. Não tinha inspiração.
Até que você beijou meus lábios e me salvou, e sob a mesma chuva daquela madrugada, hoje permaneço aqui num pensamento dentro de outro pensamento. Eu já tinha dito que minhas mãos são fortes, mas meus joelhos eram muito fracos, para ficar em seus braços sem cair aos seus pés. Me apego ao que é bom, posso até me enganar no futuro, mas sempre persevero no que me faz bem e tento, por isso, fazer tudo dar certo, mesmo que não seja ao meu lado.
 Sempre que estou ao teu lado, mesmo que seja em momentos distintos, eu fico extremamente confiante, me sinto como se pudesse dominar o mundo e dá-lo de presente a quem eu mais gosto neste momento, a minha bravura e extensão da compreensão do real é algo assim muito 
característico, algo impossível de se descrever.
Mas há um lado, em você, que eu nunca conheci, nunca soube. Todas as coisas que você disse nunca foram verdade, nunca foram verdade, há confusão demais para se tomar uma decisão como se tudo tivesse em jogo. E os jogos que você jogaria, você sempre ganharia, sempre ganharia. 
 Parei de chorar por uns picosegundos, e comecei a ver o mar que estava parado, mas continuava a vibrar, pois tudo o que é real tem sua energia movimentada o tempo todo. Comecei a lembrar de todas as nossas conversas que tivemos pela internet, pessoalmente e por telefone, todas as nossas piadas e situações cômicas, todas as nossas viagens que não tivemos, nossas possíveis brigas infinitas de diferenças e todas as vezes que fizemos as pazes, e vamos combinar como somos bons na intimidade imaginada (:$), todas as nossas aventuras sexuais dariam um bom livro (6).
 Me levantei em conformismo por mim mesmo e olhei pro céu, odiei aquele momento por toda minha alma. Voltei  onde tinha deixado toda a realidade paralisada. Mas antes de tudo eu ateei fogo à chuva, e fiquei vendo ela cair enquanto eu tocava seu rosto. Quando ela me queimou, bem, eu chorei, porque eu a ouvi gritando seu nome, seu nome! Me senti perdido em meio às chamas e quando ela caiu, algo morreu.
Porque eu sabia que era a última vez, a última vez!
Volto a realidade.
[continua]

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